domingo, 26 de dezembro de 2004

O fardo


Evaristo nunca perdera sequer um par ou ímpar. Sua sorte chegava a ser irritante, causava inveja, infortúnios, desconfianças. Sempre passara por trapaceiro, enganador, mas não era, ele sabia que não era. A droga da sorte era um dom seu, inexplicável, ele não tinha culpa de sempre ganhar tudo que concorria. Numa noite, depois de uma vida cheia de sobressaltos e fugas, pegou tudo de valor que tinha e se meteu num cassino.

As fichas tilintavam nervosas nas mãos. Encostou a barriga vazia na banca e o croupier lhe olhou com seus olhos baços, era um olhar sem olhos que era o olhar do próprio Azar. "Façam suas apostas", gritou ele. Rouge, noir, passe, manque, zero, tanto fazia, ganharia de qualquer jeito. Dispôs as fichas formando uma cruz e esperou a bolinha parar. Horas depois, possuía uma quantidade de fichas tal que não se podia carregar. Pitaqueiros, prostitutas de luxo, outros jogadores, todos vinham para perto, todos queriam acompanhar os lances daquele milagre profano. Nunca se soube nada como aquilo naquele cassino. Pôquer, roleta, trent-et-quarante, estava ganhando tudo, espetacularmente. Sua sorte parecia não ter limites, quando se deu conta já era um milionário. Com os olhos inundados de luz, Evaristo nunca apertou tantas mãos, nunca foi tão paquerado, nunca foi tão querido. Ele sabia que aquela era a sua noite triunfal, sua noite gloriosa, a noite da sua desgraça.

Ainda não tinha amanhecido quando Evaristo fora encontrado num beco com três tiros no peito. Havia sido como ele previra. Fazer o que ele fez naquela noite não daria noutra coisa, mas finalmente seu tormento chegara ao fim. Sabia que com aquela sorte toda jamais teria o amor verdadeiro de alguém.

domingo, 19 de dezembro de 2004

Conto de Natal


Foi assim: um menino, devia ser menino de rua, pelo jeito era mesmo, todo maltrapilho, sujo, tinha entrado na loja sem querer, na verdade queria, mas não podia, nunca pode, acabou indo junto no tumulto, tem muita gente nas lojas nessas épocas, aí ele entrou na loja, ninguém notou ele, e ele ficou lá, não roubou nada, não tocou em nada, quando foi sair, viu que caiu alguma coisa da bolsa de uma mulher, e ele correu, apanhou, era uma blusa, foi devolver, e saiu da loja, e disparou o alarme, o lacre da blusa, e a mulher sumiu, todo mundo parou, e o moleque também, o alarme gritando, todo mundo parado, o segurança veio, viu o moleque, e o moleque viu ele, e ficou com medo, e saiu correndo, e tropeçou na blusa, e caiu na calçada, e o segurança chegou, levantou o cacetete, e começou a bater, e bateu, bateu muito, na cabeça, no nariz, nas costelas, e o moleque chorando, esperneando, coitado, apanhou tanto, sagrou até, e era só um menino, uma criança, e em pleno natal, o natal das crianças, era véspera, e ninguém ajudava, ninguém nem olhava, que natal é esse, cadê o espírito natalino, cadê o Papai Noel, cadê o menino Jesus?

domingo, 12 de dezembro de 2004

Reprise

- Quanto?

- Vinte reais.

- Toma... Amanhã você pode vir um pouco mais cedo?

- Tá.

- Ei, será que lá não tem outra mais gostosa, não?

- Ué, enjoou, foi?

- Não, não... Eu tô gostando, mas eu queria variar, sabe...

- Sei...

- Bom, de qualquer jeito, te espero amanhã.

- Tá ok.

A senhora que ouvia do outro lado da parede pensou tudo, menos que o seu vizinho estivesse falando com um entregador de pizza. Infelizmente, era com uma de calabresa que iria pra cama outra vez.


::: Mais tema único em alguns dos links ao lado.

terça-feira, 7 de dezembro de 2004

Quando a farpa se mexe


O prédio todo já sabia das duas moças que haviam alugado um dos apartamentos. O burburinho agora era a respeito do parentesco delas. Como ninguém averiguaria qual era, de fato, alguém sugeriu algo e os demais deduziram: eram lésbicas.

No apartamento bem acima do das novatas, a família jantava quando a menina se dirigiu a mãe:

- Sabe aquelas duas daqui de baixo?

- O quê que tem elas? Elas mexeram contigo? Olha, se eu souber que você andou de conversa com aquelas duas nojentas...

- Eu vi elas hoje de manhã...

- Não devia nem ter visto! Mas, e daí? O que houve?

- Elas tavam se beijando...

- É o quê? O que foi que você disse? Pelo amor de Deus! Tá vendo, Antônio? Eu sabia, eu sabia! É por isso que quando o povo fala ou é ou tá pra ser! Que horror! Amanhã mesmo eu vou falar com a síndica! Não é possível! Como podem aceitar esse tipo de gente num prédio de família? E nossas crianças? Expor nossos filhos a esse tipo de coisa! Ah, amanhã a síndica vai ouvir!

Depois da explosão da mãe, a menina fala baixinho, olhando pro fundo do prato:

- Eu nunca vi a senhora beijando o papai...

terça-feira, 23 de novembro de 2004

O último crepúsculo


Carmen não imaginava que pudesse sair da boca de alguém um ar tão quente como o que saiu da de Gustavo. Sentiu-o na sua nuca, depois do estampido e antes dele cair. Antes de também ir ao chão, Carmen viu Leopoldo envolto numa moldura embaçada, com os olhos no revólver fumegante como se perguntasse porra, Carmen, por que você foi se meter entre a bala e esse infeliz. Quando enfim caiu, Carmen estava perplexa demais para sentir dor. Ainda assim ouviu o grito de bala alojada de Gustavo espantar uma revoada, enquanto seu sangue manchava de vermelho aquele fim de tarde inevitável.

quinta-feira, 18 de novembro de 2004

terça-feira, 9 de novembro de 2004

Elevação


Vista a pele de cordeiro
Perca o meu paradeiro
Para depois me achar
Pelo cheiro.

Desamarre meus cadarços
Embaralhe meus passos
Nessa valsa, embale-me
Nos teus braços.

Seja o iceberg do meu Titanic
A formiga do meu piquenique
Seja a causa, o acaso
que nunca se explique.

Eu sou a ovelha a ser desgarrada
Eu sou a alma a ser desviada
Faça tudo para me tirar
Do nada.

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

Cem Anos de Desilusão


Já enterrei minha última quimera
Formidavelmente
E depois de navegar precisamente
Topei com uma pedra no meio do caminho.

domingo, 24 de outubro de 2004

Exceção

Nem todo exato está certo
Nem todo próximo, perto.

Nem todo Beto é Roberto.
Nem todo sabido é esperto.

Nem todo mudo é quieto.
Nem todo pronome é reto.

Nem toda lei é decreto.
Nem toda casa tem teto.

E nem toda rima tem afeto.

domingo, 10 de outubro de 2004

Da série "A gestação de um chofer" - Epílogo

Acabou. Depois de quase um mês sem pôr as mãos num volante, consegui reaver as últimas aulas que vinham me negando por causa de um erro no meu cadastro na auto-escola. Por fim, depois de muita conversa, as aulas acabaram sendo dadas, o que acabou sendo uma recapitulação geral do ato de dirigir e claro, primordial para a minha aprovação. Já na pista de testes, tudo teria sido perfeito se não fosse a garagem. Aquela maldita garagem onde vi muitos errarem e por onde achei que passaria tranquilo. Ledo engano. Esqueci de arrumar o retrovisor lateral no início do teste e o carro acabou ficando meio atravessado na garagem. Ainda quis ajeitar a besteira, indo, voltando, mas me mandaram parar: aqueles dois pontos perdidos já não me tirariam a carteira.

Carteira uma ova. Permissão para dirigir. Depois de um ano, se eu não tiver feito nenhuma besteira, aí sim vou receber a carteira definitiva. Beleza. Agora só falta o carro...

terça-feira, 28 de setembro de 2004

Entortar


Nem nas suas elucubrações mais megalomaníacas, Nestorzinho poderia vislumbrar o estrago que foi capaz de fazer na triste manhã de uma quinta-feira, 3 de Abril de 1980.

Engoliu duas fatias de pão assado e saiu pro colégio sem ter penteado o cabelo. Chutou um cachorro, tocou a cigarra da vizinha e correu. Chegou atrasado. Entrou na sala depois do professor, atirou umas petecas de papel, deu risadas. Se fez de desentendido quando lhe repreenderam e baixou a cabeça.

Se naquele dia, na hora do intervalo, ele não tivesse lido no pátio do colégio, em voz alta, um poema que roubara do caderno da Lili, certamente ela estaria morrendo de overdose no distante 12 de setembro de 1997, às 8 e 16 da manhã, num hotel em Zurique, após mais um show da turnê milionária da banda que acabaria formando, cujo nome, The Seventh Dream, surgiria de uma conversa que teria com seu namorado sobre sonhos premonitórios. Ao invés disso, no ainda distante 12 de setembro de 1997, às 8 e 16 da manhã, Lili sairá chorando de indignação da sala do chefe, após este lhe prometer uma promoção no Ministério em troca de um oral, ali mesmo, atrás do birô.

:::

Quem espera sempre cansa...

sábado, 18 de setembro de 2004

Fração


A fronte
À frente
Confronta

Afronta
A mente
Tonta

Afoita
A frota
Pronta

O corpo
Covarde
Desmonta.


(Luís/ PauLa)

terça-feira, 7 de setembro de 2004

"Íntimo"


Olha lá ela, dá pra ver o piercing daqui... Odeio quando ela faz esse coque, fica melhor de franja... Ei, ainda não tinha visto ela com essa saia, bonita... Ah, tá de preto, deve tá chateada com algo... Eu sei que ela acaba vestindo preto quando está triste, falou isso no blog, e até que fica bem... Devem estar esperando a Patrícia, a cretina é sempre a última a chegar, passa o dia comentando em flogs, eu hein... E aquele imbecil do Tarso? Já tá ali, claro, aquele pervertido... Fica sacando as amigas, é um mané indiscreto... Será que as meninas sabem em que tipo de comunidade ele está no Orkut? Devem saber, claro que sabem... Mas a minha menina tá é estranha mesmo, alheia, sei lá, duvido que tire foto pro flog hoje... Tem problema não, eu já tô vendo mesmo... A banda do primo dela já deve tá tocando naquele bar e a Patrícia não chega... É bom que o trânsito esteja bom, senão não chego lá a tempo...

domingo, 29 de agosto de 2004

Da série "A gestação de um chofer" - Capítulo 3

"Crash", romance de J. G. Ballard, conta a história de pessoas que tiveram suas vidas mudadas após sofrerem acidentes de trânsito. No livro, a batida tem o poder de revelar ao motorista o verdadeiro caráter do seu carro, que deixa de ser apenas um bem para se tornar uma nova dimensão do seu corpo, com "novas possibilidades sexuais a serem exploradas". A ênfase sexual vem da cópula metafórica que carros praticam no instante da colisão, e a partir daí as batidas, cicatrizes e ferimentos passam a ser encarados como formas de arte, fetiches que aguçam a libido de maneira até então desconhecida. Destaca-se aí a figura do Dr. Robert Vaughan, um renomado médico que de uma hora para outra é tomado por uma obsessão que envolve celebridades e acidentes, o que o faz levar um estilo de vida um tanto alternativo...

Foi bastante didático ter terminado o livro justamente quando entrava na segunda semana de aulas práticas de direção. Confesso que não me impressionei muito com ele, mas foi interessante conferir na real coisas que o cara falava sobre trânsito e veículos. E a prova prática do Detran se aproxima. Imagino que essa prova seja mais fácil do que parece, já que por lá não costumam aparecer diante dos postulantes à carteira obstáculos como cortejos fúnebres, ônibus, buracos, motoqueiros arrojados, gente pensando que tá na sala de sua casa...

sexta-feira, 20 de agosto de 2004

Crônico percurso de um revés


que assim morreu. Em poucos minutos, a inundação da traquéia o sufocara. Só que antes do baque no nada e do escuro depois da náusea, o sangue fluiu por onde achou caminho e a pressão chegou a zero. Para ele, os gritos de Nina se foram como vieram, mudando a intenção. Ainda em cima dela, antes não havia mundo, não havia nada, só a pulsão desmedida quebrada pela dor que lhe devolveu à Terra. O ardor do projétil incandescente no pulmão, e antes no músculo, conseguiu ser maior que o calor da pele dela, em pleno gozo, e das marcas que unhas dela fizeram, em suas costas. O disparo, o estalo, o chute na porta, ele não ouviu nada disso em meio ao ranger da cama e dos seus dentes.

Não tinha ouvido também os passos subindo as escadas, nem o carro entrando na garagem, nem o portão sendo a aberto, nada. Descuido? Ele vinha se descuidando havia muito tempo, e não tardou pro Adalberto armar o flagrante se baseando no que os vizinhos já viam sem esforço. "Eu quero é que esse povo se dane!", foi o que Cristóvão disse na tarde anterior, enquanto se despedia de Nina. Esta, sábia e temerosa, sabia que até autoconfiança demais era veneno, apesar de ceder à inconseqüência de Cristóvão desde o primeiro dia. Para ele o que importava era "estar aqui agora, celebrando o amor e a vida", e

quinta-feira, 12 de agosto de 2004

Do Pensar Enlouquece, Pense Nisso

Essa eu vi no Pensar Enlouquece, Pense Nisso:

2. Em meados dos anos 80, a Semana do Presidente (boletim exibido entre quadros do Silvio Santos dedicado a acompanhar as atividades dos presidentes) passou a ser precedida por uma vinheta que exibia um homem personificando Jesus Cristo. Enquanto seu rosto era exibido sob uma discreta penumbra, uma voz narrava o seguinte texto:

"Paz, amor, fé, união, luz e esperança não são apenas palavras. Você tem certeza de que já fez tudo que podia pelo seu semelhante? Pense bem, pois um dia vamos nos encontrar. E eu gostaria muito de chamá-lo de meu filho".

Muitas crianças dessa época têm pesadelos até hoje com esse texto, e juram que o ator que interpretava Jesus dava uma piscadela no meio dessa vinheta.

Essa geração dos anos 80 sofreu bastante. Era o Fofão, a zebrinha da Loto, aquela chamada do plantão da Globo, era isso...

domingo, 8 de agosto de 2004

A nossa política

"A nossa política é a do bom humor. Todas as pessoas sérias foram assassinadas. Nós queremos ser os palhaços do mundo". (John Lennon)

segunda-feira, 26 de julho de 2004

A gestação de um chofer - Capítulo 2

Seguindo na série, houve o exame de vista. Apesar do estressezinho, fui dado como apto, o que me permitiu fazer o teste seguinte: o famoso psicotécnico.

Antes do fim do tempo limite, consegui terminar o teste e fui embora, esperar o resultado que já sairia no dia seguinte. O engraçado é que eu não fiquei livre de achar que poderia me ferrar. Fiquei pensando como eu me olharia no espelho dali em diante: "putamerda... Eu sou burro.", diria para mim, agora com um atestado comprovando. Bom, mas o certo é que eu passei e me inscrevi nas aulas teóricas sobre legislação, primeiros-socorros, direção defensiva, etc.

Foi uma semana indo pra auto-escola ter quatro horas de aula com uma prova ao fim de cada dia. O objetivo dessas aulas e avaliações é preparar o pessoal pra prova que é realizada do Detran, onde se exige um pouco de cada matéria. Quem é reprovado nessa prova, além de não ganhar a autorização pra começar as aulas práticas, ainda vai ter que pagar uma taxa pra refazer o teste quinze dias depois.

Hoje em dia, a coexistência da aula, de alunos tensos e de uma prova iminente culmina no climão de bizurada. Numa auto-escola isso não é diferente. Perguntas como "isso vai cair?" e "como é que cai lá?" são mais que freqüentes. O pessoal prefere decorar meia dúzia de bizus a ter que, ao menos minimamente, tentar ver os assuntos de forma mais global. E olhe que são coisas que serão usadas a vida toda e pelo bem dela.. Hum-hum.

A prova do Detran já está marcada. Dizem que é fácil, mas uma estudadinha não vai mal...

sábado, 24 de julho de 2004

Melhor banda internacional:


1 - Beatles - 3855 (17%)

Melhor banda nacional:
1 - Legião Urbana - 5607 (31%)

Melhor dupla:
1 - John Lennon e Paul McCartney - 4735 (33%)

Banda que nunca deveria ter acabado:
1 - Nirvana - 2919 (18%)

Banda que deveria ter acabado faz tempo:
1 - Engenheiros do Hawaí - 3514 (23%)

Banda que felizmente já terminou:
1 - Mutantes - 2701 (19%)

Mais no IG Pop.

segunda-feira, 19 de julho de 2004

Da série "A gestação de um chofer" - Capítulo 1

É isso mesmo: entrei numa auto-escola. Em breve serei mais um feliz motorista a guiar pelas ruas esburacadas de nossa cidade. Para tanto, terei que ser submetido nas próximas semanas a uma verdadeira bateria de testes, onde serão avaliadas todas as minhas potencialidades enquanto pretenso motorista.

Antes de sair de casa para o exame de vista (que é o primeiro que se faz), lembrei-me de uma idéia que pra mim é um achado científico: no Brasil, o excesso de prudência de algumas mulheres ao volante lhes dá a fama de más motoristas (o que é preconceito, pois já vi algumas dominarem um carro com uma destreza invejável). Isto posto, o que as torna, às vezes, irritantemente cuidadosas no trânsito? A resposta para isto deve estar no fato de que (normalmente) as mulheres só vão ter contato com carro lá pelos 18, 20 anos, quando os pais acham que já dá pra dirigir. Antes disso, só se foi com o carro da Barbie e olhe lá... Também nunca ouvi falar de menina que gostasse de kart, Fórmula 1 ou o que o valha. Enfim, carro é algo que vai fazer parte da vida da mulher só a partir da vida adulta, quando colocam aquele trambolho diante dela e pronto, dirija, dane-se. Com homem a coisa é diferente. Desde cedo já tá ali com seus carrinhos, decorando nomes de modelos, bolando os traçados, prestando atenção nas manobras, marchas, apostando corridinhas, "tentando pensar como um carro", etc.

A intensidade da minha fé nisso foi a mesma do medo que me deu. Eu nunca gostei de carros. Nunca fui de colecionar nem brincar de carrinhos. Preferia deixar parados os poucos que tinha, como que num micro-museu. Será que esta indiferença inicial aos carros vai ter algum impacto na minha vida de motorista? Só o tempo dirá...

quinta-feira, 15 de julho de 2004

Antes de dormir


, um gargarejo com vodka e uma prece pra James Dean. Hoje eu tô feliz: aprendi a fazer "ligação direta".


((O pecado mora alugado..))

..inspirado na Malabares..

quinta-feira, 8 de julho de 2004

Review


Ontem à noite foi a vernissage da mais nova exposição de Shiko, na Aliança Francesa. Rolou uns petiscos legais, deu até pra bebericar alguma coisa. Pena que não houve som ao vivo.

Lá estavam quase todos os interessantes do meio alternativo local: gente metida com música, vídeo, quadrinhos, além dos espectadores assíduos e dos farsantes, como eu.

O tema da maioria das telas gira em torno da idéia dos "baús da memória", diversos armários recheados de recordações até de outras pessoas, segundo o próprio Shiko. Eu ainda fui capaz de notar nesses quadros uma sutil relação deles com os antigos relicários, onde ao invés das imagens sacras, são ícones da cultura pop como discos, livros e objetos que preenchem as prateleiras lá retratadas.

Nada do que eu diga aqui vai chegar perto da raspa da moldura de algum quadro daquele. Sei o quanto reviews são inúteis, e que bom mesmo é conferir a coisa ao vivo. E ao vivo é mesmo muito bom.

quarta-feira, 7 de julho de 2004

Gréciamania


  • A Grécia é a sede das Olimpíadas 2004.

  • A Grécia é a campeã da Eurocopa 2004.

  • O cinema leva a batalha de Tróia às telas em 2004.

  • Rede Bandeirantes volta a exibir os Cavaleiros do Zodíaco.

  • A culinária da Ilha de Creta é a mais saudável do mundo.
  • segunda-feira, 28 de junho de 2004

    Retorno

    Um retornar

    Por que minha mãe não chega logo? ...Pedrinho, me devolve o biscoito! ...Papai, para onde a gente vai quando morre? ...Férias na casa da Vovó de novo? ...A Marcinha é muito invejosa, comprou um vestido igual ao meu, mas eu adoro ela... ...Ainda bem que minha mãe me tirou do ballet, não agüentava mais... ...É muito chato! Já perdi duas calças, fora essas cólicas... ...Se eu o beijei? Claro que não! Ele que me beijou... ...Tenho que desligar agora, te ligo depois, tá? Te amo... ...Todos sabem que eu odeio Química, mas querem que eu faça pra Medicina... ...Surpresa, mamãe! Eu sempre soube que você adoraria ganhar um buquê... ...Não é 'Eleanor Rigby', é de 'Lovely Rita' que eu gosto... ...Mamãe, eu preciso mesmo ir no enterro do Vovô? ...Acabei sim. A gente já tinha voltado, mas agora é de vez... ...É da Clarice Lispector. Um presente pra mim mesma com meu primeiro salário do estágio... ...Não tem perigo, papai, o pessoal todo vai, e lá é super iluminado... ...O que é isso? O que tá acontecendo? Que dor é essa?

    A junta médica em volta do leito de Patrícia comemorava o êxito com um entreolhar agora livre de angústia. O desfibrilador deixara marcas no tórax da moça, mas isso era o que menos importava. Não é sempre que se pode trazer de volta alguém que chega ao hospital sem pulso e quase sem atividade cerebral. "Até que a carreira médica é bem bonita...", comentou Patrícia semanas depois do acidente, pouco antes de ter alta.


    :::Mais "tema único" nos links marcados com asterisco.

    quinta-feira, 24 de junho de 2004

    Pantomima


    Aplauso, corte, bobo, globo, morte, sorte, trapézio, espaço, palhaço, pipoca, magia, ilusão, ilusionismo, malabarismo, Malabarismo Coletivo...

    domingo, 20 de junho de 2004

    Na ilha


    - Um tubo de fio dental, um cortador de unhas e uma peça de roupa dela, suada, é tudo o que eu queria agora. - disse ele a um siri.

    segunda-feira, 14 de junho de 2004

    Além do aroma


    Ninguém disse nada quando chegou. Mas o que poderiam dizer? Que ele era bem-vindo e que o amavam apesar de ter enlouquecido? Sob uma atmosfera de desconforto, faces crivadas de abnegação forçavam solidariedade. Pudera, a circunstância era nova pra todos. Não se nasce sabendo lidar com essas coisas.

    No quarto, lhe doía o vazio. Era um oco que inchava de dentro para fora desde que deram por encerrada sua lavagem estomacal. Quando o levaram às pressas ao hospital não havia mais o que esconder, já não lhe restava nenhum segredo. Ficou totalmente exposto: seus dramas, suas entranhas, vísceras, vômitos, tudo. Entraram com uma câmera no seu esôfago e na sua vida como nunca o fizeram. Deu para acompanhar tudo pela telinha do doutor, que também morria de pena.

    Horas depois o pai levou um copo de leite para ele. Na saída, não se segurou:

    - Filho, que idéia foi essa de beber um tubo de creme rinse? - E saiu rápido, sem esperar resposta.

    Dentro do cobertor, o rapaz grunhiu baixinho:

    - Era o que ela usava, papai. O cheiro dela...

    quinta-feira, 10 de junho de 2004

    Na plataforma


    De sorrisos pequenos
    E gestos amenos
    Fez-se o dia.

    E na hora marcada
    Nem quis dizer nada
    Tudo doía.

    No silêncio revolto,
    Só um olhar solto:
    Isso já serve.

    No fim, a recusa:
    "Adeus" não se usa,
    Melhor "até breve"...

    segunda-feira, 7 de junho de 2004

    Raspas e restos não me interessam


    A cena aconteceu há uns três, quatro anos. Eu tive que levar meu irmão para fazer um teste simulado num ginásio de um clube e fiquei lhe esperando na porta. Algumas horas depois, percebi que o encerramento das provas estava próximo ao ver chegando dos arredores vendedores de todo tipo de guloseimas, todos conhecidos da garotada do colégio.

    Toca a sineta. Todos começam a entregar as provas e a ganhar a rua. Logo me vejo rodeado pela malta de moleques esganiçados que se acotovelavam em volta dos carrinhos de pipoca e raspadinhas. De cara, percebo uma coisa estranha no vendedor de raspadinhas que estava a poucos metros de mim: à medida que os garotos iam bebendo as raspadinhas e atirando os copos vazios no chão, o tal vendedor não tinha a menor timidez em ir lá, recolher os copos, dar umas batidinhas pra lhes tirar a terra e guarda-los numa cestinha, apropriada para isso.

    Depois não houve como eu não tirar os olhos de cima do cara. Fiquei lá prestando atenção em todo o seu trabalho enquanto meu irmão não vinha. Havia a barra de gelo, os líquidos coloridos, o instrumento usado para tirar as raspas da pedra de gelo, os canudos pequenos... Enquanto especulava sobre a qualidade da água que virara aquela pedra, noto um outro aspecto curioso do trabalho do cara: sempre que as raspas do gelo ficavam muito pra fora do copo, ele "afofava", "aplainava" o gelo com a própria mão para que ficasse rente à borda do copinho...

    Entre uma venda e outra, eis que o crime é praticado. Depois de limpar o suor da testa com a mão direita, o rapaz a enfia dentro das calças até quase a altura do cotovelo. É, colocou lá, na parte da frente mesmo, com um gesto tão abrupto que eu duvidei ter sido o seu único espectador. Até hoje não sei se coçava, balangava, arrumava, matava o tempo, brincava, ou sei lá o quê. Só sei que ele meteu a mão ali dentro da cueca, procurou alguma coisa e achou. E ainda se demorou lá, sem o mínimo esforço em parecer discreto. Antes de tirar, deu uma coçadinha de praxe na parte de trás e se preparou pra atender um garoto que se aproximou.

    A seqüência que se desenrola a partir daqui se passou quase que em câmera-lenta pra mim. Primeiro, raspou o gelo. Depois, colocou as raspas no copinho. Com a mão do delito, o traste comprime com capricho o gelo no copo, coloca a essência escolhida, pega o canudo e oferece o preparado a criança bisonha. O clímax desse filme de terror foi vê-la levando o canudo até a boca e sugar e sugar com todo gosto a bebida infecta.

    É por isso que cortei raspadinhas da minha vida.

    segunda-feira, 31 de maio de 2004

    Pérolas do "Jornalismo Déjà Vu"

    "Mau humor do mercado alavanca o Risco-Brasil."
    "Atentando na faixa de Gaza deixa mortos e feridos."
    "Mais denúncias contra o ex-governador Paulo Maluf."
    "Shumacher é pole."
    "Cresce o número de seqüestros relâmpago do estado de São Paulo."
    "Desemprego bate recorde."
    "Sonho da olimpíada no Brasil é adiado."
    "Robert Scheidt ganha mais um título mundial."
    "MST retoma ocupações."
    "Deborah Secco apresenta seu novo namorado."

    quinta-feira, 27 de maio de 2004

    Segredos selados


    Te mando missivas,
    Justificativas,
    Para que convivas
    Com minha presença.

    E fotos simplórias,
    Sem dedicatórias,
    Completam histórias
    Que fiz referência.

    Em plena espera,
    Chorosa e sincera,
    Eu sei que venera
    A reminiscência.

    Se alguém descobrir
    Tais cartas pra ti
    Só não vá mentir
    Sobre minha existência.


    segunda-feira, 24 de maio de 2004

    Destino


    A guinada de Fernando Antônio

    Acordou e se deu conta de que estava em casa. Na verdade, ainda não tinha acordado: demorou a manhã inteira e a primeira metade da tarde pra finalmente se tocar de que havia um mundo além da zonzeira e do gosto de saco plástico na boca. Tudo caminhava numa pasmaceira alucinada até quando num zapping rápido na TV viu um homem com barba tocando violão. Naquele instante foi como se recebesse uma lufada forte na testa. Engasgado nas próprias palavras, foi em busca da mãe para conta-la a experiência que tivera na noite anterior, só agora lembrada.

    A pífia comunidade ufóloga do lugar não acreditou em uma só palavra do que ele passou a repetir com fervor. Simplesmente não colou a história de que numa madrugada chuvosa de uma quarta para uma quinta, ele se deparara com um OVNI em plena orla da cidade. Riram mesmo quando disse que havia entrado no objeto e encontrado lá dentro uma espécie de távola, uma reunião de seres sob uma luz difusa entoando sons estranhos, quem sabe hinos, e palavras de ordem. Não houve experimentos, nem lhe espetaram agulhas. Pensou que talvez tenham apenas colhido um pouco de urina, que era o que tinha na calça que usava na tal noite.

    Ele só foi bem recebido mesmo, meses depois, num culto, onde reconheceu que seu contato inesperado tinha sido na realidade com a Sagrada Família e com os Santos Apóstolos. Após o testemunho, chorou por sua blasfêmia ("Chamar Jesus de E.T. é pecado grave!") mas logo foi perdoado por todos. Já convertido, desprezaram o fato de ele antes do milagre ter acabado de sair da Companhia do Chope.

    quinta-feira, 20 de maio de 2004

    "Obladi-oblada, life goes on.."


    O instante mágico. O rasgo temporal, na realidade. Na verdade, uma confluência de realidades que comprova que "nem tudo está perdido", que há alguém real do outro lado da linha e que a noção de horas e dias pode ser facilmente flexionada. É a estesia, coletiva, viva, infelizmente perene só nas marcas que fazem na lembrança. Tudo tão perfeito que seria tolice achar que fosse durar muito. Tolice maior seria, uma vez envolto por essa aura, tentar se desvencilhar dela, embora ela tenha surgido tão facilmente e agora ser mais rígida do que o mais forte dos diamantes. É como um clipe nas páginas de um diário. Três, quatro páginas? Sim, já estão marcadas, todas sem um espaço em branco, decoradas com embalagens de chocolates doces como sorrisos, e adesivos coloridos como semblantes iluminados.

    Enfim, se "a felicidade é abstrata e só a dor é real" eu não sei, mas que eu não tinha como não falar disso tudo hoje, ah, não tinha não.

    Quisera eu poder ser tão explicito quando Ailton foi em seu blog...


    domingo, 16 de maio de 2004

    Anna


    pela Paraíba:

    CroNNograma

    Terça-feira
    10:00h - desembarque na rodoviária
    10:30h - casa de Hélber para assistir vídeos do FilMALgens
    12:00h - almoço ou lanche no Shopping Sul (a combinar)

    Quarta-feira
    10:00h - desembarque na rodoviária
    11:00h - almoço no Shopping Manaíra
    12:00h - fazer hora no Shopping Manaíra (boliche ou conversa)
    14:30h - cinema no Mag Shopping - Tróia
    17:30h - pizzaria Veneza de Manaíra/Bessa
    19:00h - Almir (Tambaú)
    21:00h - Bebe Blues (Tambaú)
    22:00h - Feirinha de Tambaú
    23:00h - Luau (Cabo Branco - em frente à Sapore d'Itália)

    Quinta-feira
    04:45h - ver o Sol nascer com Anninha

    quinta-feira, 13 de maio de 2004

    HAPESAR: nem só de acaso se faz um vídeo


    Tínhamos que decidir entre duas idéias para fazer um documentário para a disciplina Laboratório de Telecinejornalismo. Uma delas era sobre o quanto decrépito estava o Departamento de Música, que fora construído com promessa de ser provisório, e que às portas dos seus 20 anos era difícil achar algo dentro que funcionasse sem improvisos. A outra idéia também tinha como foco a deterioração de um outro setor da mesma universidade, o Núcleo de Documentação Cinematográfica. Também nos seus quase 20 anos, após formar e revelar uma geração inteira de cineastas, o Nudoc carecia de uma intervenção urgente antes que "caísse" de vez. Acabamos preferindo a idéia do Departamento.

    Por uma série de motivos que não convém relacionar, não pudemos realizar o documentário sobre o Departamento de Música. Sem alternativas, corremos pro Nudoc e não tinha como ter sido melhor. O tema do Departamento era bom, palpitante, grave, mas com um peso político que dificilmente livraria o vídeo de um ar sensacionalista. Fora os problemas, não haviam tantos contrapontos positivos, coisa que o Nudoc tinha e que tornou possível que se fizesse um vídeo sem apelos, ou que pesasse para algum lado. Desde o início, minha preocupação era que ficasse denunciativo mas sem excessos. E ficou mesmo.

    Surgiu então o HAPESAR. Saiu tudo direitinho. Claro que houveram discussões sobre o que fazer, o que colocar ou não, mas no fim acho que o que ficaram foram as melhores idéias. Muito disso foi por sermos apenas quatro pra dar pitaco (Ailton, Bruno, Daslei e eu), coisa que favorece o envolvimento maior de cada um.

    Independente da qualidade do vídeo (que sei que não é das maiores dada a inexperiência dos realizadores e os parcos recursos), vai ser difícil eu deixar de gostar dele. Mesmo já tendo passado algum tempo desde a sua exibição inaugural, eu continuo achando que fizemos com o vídeo o que foi possível se fazer, conseguindo dizer da melhor forma que podíamos o que pretendemos (diga-se muito graças aos entrevistados). Não há nota 10 que valha isso. E ainda tem a coisa do fazer coletivo, a experiência toda da realização, o fato de eu "me ver" ali, e a maior das satisfações: ver finalizado um projeto dentre tantos outros em que me meti mas que nunca saíram do papel.

    Ah, de lá pra cá, tanto o Departamento de Música quanto o Nudoc continuam funcionando a duras penas, após algumas "maquiagens".

    O "HAPESAR" será exibido no Sesc-Centro, nesta sexta-feira, 14, às 12 e 18:30hs. Mais sobre o vídeo no Jornal A União, MeiaBoca e 45acp.


    terça-feira, 11 de maio de 2004

    O amor é cego


    Capaz de cegar

    A filha teve uma crise de choro assim que chegou e viu. "A gente cega o amor pra depois ele cegar a gente", pensava enquanto mudavam as compressas do rosto dolorido. Àquela altura, nem pensava mais no acontecido, ou na véspera, que era o que daria para lembrar por um artifício típico da memória. Em volta dos olhos, alguns coágulos púrpuras tapavam-lhe as vistas completamente, condição esta que lhe roubava toda a atenção que era capaz de ter por algo depois de tudo.

    Por ainda estar meio grogue, vivia as primeiras horas daquela sua deficiência temporária sem um pingo de aflição. Aparentava até um certo bem-estar em seu silêncio indolente, curiosa com as sutilezas sensoriais que aquela privação lhe permitia. Não havia mais casa, nem delegacia, desgosto, nem a enfermeira do posto, nem socos no rosto, dores, nem ela mesma: só os relevos da colcha da cama, o barulho das cortinas no chão tremulando com o vento e um cheiro até então imperceptível no quarto, que vinha dos ninhos do teto sem forro. Percebia que a cegueira era branca, ou verde, como a esperança, sei lá, porra, não dá pra ter senso nessas horas...

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    quinta-feira, 6 de maio de 2004

    A cruz


    Ficou na moita nos dois dias de chuva e só no terceiro resolveu, enfim, fazer jus a sua natureza. É, sinusite é assim, gosta de pregar peças. Claro que ela não ia deixar uma friagem passar sem latejar na testa. Galhofeira dos diabos, sente prazer no incomodo alheio...


    terça-feira, 4 de maio de 2004

    Tentação


    O bem da tentação

    Sentia a sanha febril do desejo adúltero arder no pescoço enquanto o copo de uísque vacilava no suor das mãos glaciais. Era principiante na arte da traição, e como qualquer noviço, gaguejava temeroso a cada novo imprevisto de sua ventura. Estava sendo levado pela situação como numa avalanche de raiva. Tinha raiva dela, por ter lhe inspirado suspeitas; tinha raiva de si, por ter sido tão burro; tinha mais raiva de si, por estar com medo de enganar quem no íntimo ainda respeitava. Enfim, de tão entorpecido, não estava apto a decidir nada. Saiu de casa a esmo naquela noite e disposto a aceitar seja lá o que lhe acontecesse.

    A conversa com aquela ruiva corpulenta no balcão da boate já durava coisa de meia hora, e o "na minha casa ou na sua?" estava prestes a surgir. O papo tinha fluído fácil, robusto, e entre gargalhadas alcoólicas, ele via com terror o maldito êxito que vinha logrando e viria alcançar naquela noite fatídica. Se deu conta do quão cheia sua bexiga estava e foi ao banheiro mais pra jogar um pouco de água na cara e aliviar-se do nervosismo, que já o tornara eufórico. A ruiva ficou dando-se um tempo terminando um cigarro, e se insinuando lânguida por entre as mesas ruidosas, entrou no banheiro masculino achando que não fora vista.

    - Eu juro pela minha mãezinha que eu nunca te traí nem te trairei! - Gritava Marcinha entre soluços lacrimosos, aos pés do marido ressacado, após o telefonema de uma certa amiga ruiva que voltara para casa na noite anterior mais comovida do que chateada.

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    sábado, 1 de maio de 2004

    Vitória


    Telecinese, telepatia, pirocinese, projeção astral, aporte e materialização transcendental. A ausência de um link aqui ao lado prova que tudo isso existe.


    terça-feira, 27 de abril de 2004

    Inferno


    Eis que tornou-se ínfimo. Inferior àquele infortúnio que lhe abatera. Infiel era o seu organismo infame que se manifestava com ares de infanticida, tomado por uma ira infesta e com disposição infensa. Aquilo não era uma infecção, nem tampouco uma infestação, embora uma grande inflamação se manifestasse em seu íntimo. Parecia infindo tal drama que o fazia se sentir infausto como nunca, e de modo infrutífero, permitiu-se ainda uma última inferência: sofria um infarto.


    terça-feira, 20 de abril de 2004

    Pequenas coisas que me enlouquecem


    "A união da manada obriga o leão a deitar-se com fome"

    - Ai, caceta!

    Num dia só lhe picaram os pés, atacaram um pacote de biscoito mal fechado na dispensa e foram apontadas como prováveis causadoras do defeito em seu computador. Eram as formiguinhas pretas - sempre elas - que lhe causavam constantes acessos de loucura, seja pela dor ou pelo prejuízo.

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    segunda-feira, 12 de abril de 2004

    Fale agora ou cale-se para sempre


    Tacitamente

    - ...Fale agora ou cale-se para sempre!

    Fechou os olhos e ficou esperando, trêmulo. Sabia que havia alguém ali no meio da assembléia que poderia se levantar e colocar todo o casório a perder. Estava incomodado com aquela presença, com aquela pessoa que estava assistindo o seu casamento e que ele vira desde que chegara ao altar. Após aquelas palavras, fez-se um silêncio previsível na Igreja e o padre deu prosseguimento - para o seu alívio. Benção final, beijo e chuva de arroz. Pronto, finalmente estava acabado, e ele nunca esteve tão tranqüilo.

    Depois riu sozinho da própria bobeira. É claro que interrupções de casamentos só acontecem nas novelas, quando alguém se ergue de forma heróica e expõe algum podre de um dos noivos. Mas não demorou muito para que ele desejasse que isso tivesse acontecido, e fosse delatado na frente de todos. Viver sabendo que alguém o espiava de longe, ciente do seu segredo, começou a virar um troço bem angustiante pra ele. O outro do jeito que estava, calado ficou, e talvez nem cogitasse jamais dar com língua nos dentes. "Fale agora ou cale-se para sempre", a frase ecoava insistente nos ouvidos do noivo, que não agüentou e teve que escolher a primeira opção. Preferiu isso a chance de poder ser surpreendido a qualquer instante. Falou do amante, e naquela mesma noite foi pra casa dele ter o sono mais confortável dos últimos onze meses.

    - Pronto, conseguiu: voltei pra tu. Nem precisa mais contar tudo a ela... - Disse enquanto tomavam café na manhã seguinte.


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    sábado, 10 de abril de 2004

    Prestação de Contas


    Escuta aqui: não te culpo
    Por não termos dado certo.
    Por não teres tido pulso
    Para me manter por perto.

    Com pesar, não sou mais sua.
    Por que eu já criei asas,
    E fui procurar na rua
    O que não achei em casa.

    Pois nem todo mundo é "forte",
    E logo eu, não tive sorte
    De você me segurar.

    No nosso enlace, cuja morte
    Serpenteou e deu-lhe um bote
    Fenecendo o nosso lar...


    terça-feira, 6 de abril de 2004

    Porres memoráveis


    A lembrança de um porre

    Zonzo era pouco. Mal conseguia firmar a cabeça parada. No momento, preocupava-se apenas com a pane que seus sentidos atravessavam. Sentia na língua um gosto semelhante ao do dia em que uma caneta estourou na sua boca na escola. O nariz com as mucosas ressecadas doía a cada inspiração (talvez tenha sido essa dor que o acordara há instantes atrás). Nos ouvidos havia o som do pulsar das veias nas frontes e no cérebro, comprimindo-se contra as meninges. O que funcionava melhor era a visão, salvo pela moldura turva com a qual as imagens lhe chegavam.

    Pôde olhar em volta e percebeu que estava nu e numa banheira. E daí? Na sua busca alucinada por certezas, as únicas que conseguia enumerar eram: 1) não estava em casa (lembrava que na sua não havia banheira) e 2) estava de dia (de acordo com luz do sol que entrava pelas frestas daquilo que parecia ser um banheiro). Não tinha a mínima idéia de que lugar era aquele, nem de como havia parado ali nem de onde estariam suas roupas, carteira, relógio... Também não sabia há quanto tempo estava fora de casa - uma noite? Dias?

    Respirou fundo e ficou tentando recriar sua trajetória de casa até ali, tendo como o marco zero o momento em que decidiu sair. Pelo o que deu pra lembrar, logo depois disso houve o encontro com os amigos e com mais alguns que ele não conhecia. Depois entraram na boate, procuram uma mesa e começaram a beber. Ainda lá, aquela noite lhe parecia um pouco singular por estarem mais bebendo que conversando. Daí em diante, o que era um fio contínuo de memória tornara-se um tracejado de flashes cada vez mais espaçados. Havia um flash em que ele contava as garrafas, outro em que ele estava vomitando e um último mais curto em que ele estava de bruços num carpete, ouvindo várias vozes desconhecidas.

    Fez menção de se levantar dali e sentiu uma dor horrível nas costas, pouco a baixo da última costela direita, o que o fez largar o seu corpo dormente na banheira e desistir do seu intento. Instintivamente, levou a mão ao epicentro da dor e sentiu na ponta dos dedos algo como uma cicatriz, com pontos recentes feitos à linha.

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    quinta-feira, 1 de abril de 2004

    Bendita perturbação


  • Três pessoas no mundo morreram vendo "A paixão de Cristo" (uma delas na Paraíba).

    Independente da sua qualidade, o que Mel Gibson quis com esse filme não foi mais do que o que Van Gogh pretendeu ao retratar-se com ataduras onde estava a sua orelha, ou o que Dostoiévski quis com seus livros. Foi exatamente o que Glauber Rocha buscou com seus filmes, o que Shiko quer com seus desenhos e o que os Beatles quiseram aprontar quando lançaram o seu Sgt. Peppers. Todos só querem incomodar.

    A arte tem que se propor a isto. Se for previsível, não é arte, é "massagem", descanso, publicidade. Arte tem que trazer o novo do velho, desvelar o que se teima encobrir, apontar rumos, ampliar visões. Tem mesmo é que questionar valores e sentimentos, deixar em suspenso o que estava decantado, estabelecer novas linguagens, mostrar novas formas de pensar sobre o que está sendo dito ou sobre o que já se disse. Quem é artista de verdade quer sempre impressionar, abalar, seja pela dor ou pelo gozo. "Você jamais será o mesmo depois de ver isto!", "Quero que vá pra casa pensando!" - esses que são os seus lemas.

    Mas não basta apenas lançar mão de estímulos imagéticos e causar impacto na emotividade, o que é uma coisa facílima quando se trabalha com seres humanos. Forma em detrimento do conteúdo funciona, mas não coloca ninguém na história. Catarse tem que ser permanente, superar a temporalidade. Um conceito definido aliado a um manejo apurado da técnica acaba gerando sem maiores esforços uma obra bem resolvida, o que nos leva, inevitavelmente, à estupefação diante de um significado apreendido e apresentado com primor. Inerente a sua concepção, já estarão ali impressões da época e anseios, que acabam sendo universais.

    No fim, tudo é permitido, desde que não se apele.


  • segunda-feira, 29 de março de 2004

    Como cães (ou reflexos induzidos a partir de uma circunstância previsível)


    Noite. Uma rua. Eu andando nela. À frente, o vazio. No relógio, meia noite e dez. Três quarteirões até minha casa. Passo por um cão que não me dá bola. Postes acesos. Não passam carros. Trechos claros e escuros encadeados. Nenhum vento. Latidos ao longe. Ando rápido. Surpresa. Um vulto surge a frente. Não é sombra de árvore. Caminha no meio da rua. Suor na minha testa. Mantenho o passo. Ele vem em minha direção. Não gosto de Western. Não vejo seu rosto. Tensão. Parece forte. Fecho meus punhos. Não sei se me teme. Muros altos nas casas. Mau sinal. Aumento o passo. Ele mantém. Olhos fixos nele.

    Meio quarteirão nos separa. Já o vejo melhor. Gelo na espinha. Gingado estranho. Saio do meio da rua. Abdome contraído. Ele continua no curso. Estou na calçada. Foco no horizonte. Ele na visão periférica. Qual o cãozinho de Pavlov. Saliva ao ouvir a sineta. Tremo se olho pro cara. Presença incomoda. Vejo seu rosto. Descompasso cardíaco. Ele me vê. Mal o suporto. Estou quase correndo. Boca seca. Ele muda sua rota. Vem transversal a rua. Eu o odeio. Anda mais rápido. Vem pra calçada. Instinto de sobrevivência. Fechou o ângulo. Dois passos de distância. Fator surpresa. Muito feio o rival. Agora um braço de distância. Me jogo contra ele. Ele geme. O atinjo com o ombro. Corro. Nem respiro. Corro. Latidos. Nem sinto as pernas. Corro. Chegar. Continuo correndo. Correndo.

    Fim do experimento.
    .
    .

    Mais "estímulo-resposta" em: Anna, Ailton, Isabella, Suzy, Larissa, Helber, (talvez) Bruno e algum outro que não tomei nota.


    terça-feira, 23 de março de 2004

    A prova


    Foi rápido. Nada estava combinado. Ela sabia que mais cedo ou mais tarde aconteceria. Começou meio desajeitado, mas pelo rumo que acabou tomando, não parecia que ela o interromperia tão abruptamente. Talvez deva ter sentido medo: não lembrava de ter sido subjulgada daquela forma. Correu pra casa.

    Pela primeira vez, ela sentia em sua boca o gosto de uma saliva que não era sua. Só sabia que tinha que provar mais uma vez daquele sabor, embora não soubesse como nem quando beijaria novamente.


    Para ver outros textos com o mesmo tema, procure nos links ao lado.



    sábado, 20 de março de 2004

    Mestre


    Fiodor Dostoiévski, autor de "Crime e Castigo". Não há mais o que falar.

    Pasmem: Prosesia Crônica atualizado.

    segunda-feira, 15 de março de 2004

    Ponto de mutação


    Falar que o aparato tecnológico desenvolvido nos últimos cinqüenta anos tem alterado completamente as formas do homem encarar o mundo e a história já é um clichê. A exagerada capacidade de captação e reprodução de momentos tem tirado da história a sua possibilidade especulativa que a permeou pela maior parte dos séculos de racionalidade. Não precisa nem ser uma ocasião ou um lugar "importante" para estar submetido a algum artifício de fixação de imagem e/ou som. A tecnologia despreza a imprevisibilidade, desdenha arrogante do nosso espanto ante o inesperado. Dêem boas vindas ao Big Brother.

    Foi preciso uma grande sensibilidade e um impulso bastante visionário para George Orwell lançar a noção do "Big Brother" em 1984 (lançado em 1948). Na época, pouca gente entendeu que o tal "Olho que tudo vê" não era uma pessoa, nem tinha por trás de sua intricada rede uma mente vil que responderia por sua impertinência. Com o olhar de anarquista e ex-soldado, Orwell mirou certo na tecnologia e previu o status "divino" (a onipresença) que ela viria ganhar, numa época que ele considerou ser o "futuro".

    11 de março na Espanha. Explosões em trens deixam mortos e feridos. Comoção internacional, discursos inflamados, implicações políticas. Dentro de sua limitação temporal, a mídia utiliza-se do momento posterior ao fato para nos reportar ao momento da tragédia. É com isso que estamos acostumados, tem sido assim desde sempre, desde antes de haver a própria mídia. O que diferencia este fato dos demais ocorridos ao longo da história é a presença de uma moça dentro de um dos trens, que no exato momento das explosões tinha sua ligação de celular gravada numa secretária eletrônica, há quilômetros dali.

    É isso que a tecnologia faz: ela não nos dá margem à especulações. Não temos mais o luxo de imaginar, em pensar como terá sido aquele acontecimento, aquela tragédia. Sempre vai ter alguém ou algo gravando; haverá uma foto de um turista que aparece uma semana depois ou como nesse caso, um telefonema. Já estará ali diante de nós uma face nem que seja mínima do momento flagrado, da qual toda nossa capacidade de abstração será subordinada. Seremos apenas espectadores, levados a negligenciar o "impulso imaginativo" - receberemos imagens, não mais as criaremos.

    Nas últimas décadas enfileiram-se "flagrantes": a morte de Kennedy (e a morte de Lee Oswald, seu assassino), a explosão da Challenger, atentados a figuras influentes, o 11 de Setembro. Um verdadeiro circo de horrores promovido pela presença das câmeras ligadas "na hora certa e no lugar certo".

    Podemos imaginar como deve ter sido a ocasião em que o Arquiduque Francisco Ferdinando fora alvejado por um estudante na Sérvia, detonando a Primeira Grande Guerra. Podemos imaginar também como foi a sangrenta deposição da família real russa, ou ainda, a ocasião da morte de Julio César, esfaqueado por todo o Senado romano. Mas, no tocante à contemporaneidade, o exercício especulativo tem sido e será posto de lado em favor da simples recepção de sons e imagens gravadas. Este será o fim da mitificação, das distorções, da inexatidão, da abstração, enfim, do homem como o conhecíamos.



    sexta-feira, 12 de março de 2004

    Quem é Nerd


    Achei num jornal uma lista de fatores que configuram um nerd:

    1. Não tem muita habilidade social.
    2. Curte ciências exatas.
    3. Gosta muito de ler.
    4. Adora cinema. É apaixonado por ficção-científica.
    5. Joga RPG.
    6. Provavelmente já assistiu "A revolta dos nerds".
    7. Não se preocupa muito com a aparência.
    8. Está muito acima ou muito abaixo do peso.
    9. 95% dos nerds usam óculos.

    Não sei se eu deveria ou não comemorar o fato de não ser um nerd...



    segunda-feira, 8 de março de 2004

    Descontando


    - Façam uma redação sobre o aborto.
    - Professora, em que estilo?
    - Vocês podem fazer uma dissertação ou uma narração.
    - Narração? Oba!


    Dessa vez, não. Chega desse tipo de artifício. Eu não fiz um conto. Não vou tentei inventar alguma historinha que tivesse o tema desta semana como mote. Desde o colégio tem sido assim: narrando, narrando... Na verdade, o ato de narrar sempre me fora um modo de escapar, sempre uma desculpa pra lá de esfarrapada pra fugir da dureza das argumentações ou de uma descrição pouco acurada.

    Sem ficção por hoje. Sem desculpas esfarrapadas.


    domingo, 7 de março de 2004

    sexta-feira, 5 de março de 2004

    Me engana que eu gosto


    Parece que o grande segredo para o êxito na vida é partir do pressuposto que todos os demais são idiotas. É claro que a maioria sempre consegue ser mais esperta que do você, mas o batalhão de tolos restantes justifica a minha inferência inicial. Se os golpes existem é por que funcionam, e os idealizadores (cegos pela "glória" alcançada) não conseguem guardar sua receita em segredo. Para atuar, os golpistas precisam apostar no fato de que todos nós somos "inocentes", e que os seus golpes ainda estão longe de serem "manjados". Tal atitude corajosa os tornam seres, no mínimo, admiráveis.

    E a Internet dificilmente ficaria livre da presença deles, tendo ela já ganho o status de espaço socialmente constituído. Isso é muito frustrante, porque como se não bastasse as pilhagens do mundo real, agora temos que aturar os "espertinhos" que nos abordam nas navegações. Reparem no que me chegou por email:


    Mensagem Importante do Banco do Brasil, leia com atenção:

    1 - Foi determinado através do sistema voltado à segurança de transações online do Brasil, é expresso que todos os clientes do Banco do Brasil deverão repassar seus dados bancarios imediatamente para que sua conta entre no mais novo sistema anti-fraude no sistema de internet banking.

    2 - Com o novo sistema o Banco do Brasil poderá verificar a autenticidade dos dados fornecidos, a fim de verificar a veracidade dos mesmos. É importante ressaltar que só entrará para esse novo sistema anti-fraude as contas de clientes que forem acessadas a partir de 30/08/2003.

    Para isso acesse agora: http://www.bb.com.br

    Banco do Brasil, sempre preocupado com você.



    O indício mais elementar de que isso se trata de um golpe fica visível ao acessar o link do banco que vem nessa mensagem. Ao invés de aparecer um singelo "www.bb.com.br" na barra de endeços, surge uma imbricada sequência de números e dígitos de toda a sorte, que nem de longe se parece com o endereço de um banco que é um dos mais populares do país.

    Nesse caso, a crença do rementente é que o destinatário desconheça totalmente o fato dos bancos jamais cobrarem cadastros pela Internet. E o que torna isso ainda mais engraçado é que eles mandam esses emails na esperança da pessoa 1) ter conta no banco e 2) ser afobada ao ponto de enviar sua senha pela rede. Eu, por exemplo, jamais tive conta nesse banco.

    O chato é que sempre vai ter gente que vai cair nesse tipo de golpe, envolvida pelo tom grave e pela confiabilidade passada pelo texto do email. De conta em conta zerada, o golpe no Brasil vai conquistando seu espaço no hall já ocupado pelo "futebol" e pelas "mulheres bonitas"...


    segunda-feira, 1 de março de 2004

    Peculiarmente dourado


    Os membros daquela familia, como muitos de muitos lares pelo mundo, não haviam assistido nenhum dos filmes que concorriam a alguma estatueta no Oscar. Mesmo assim, desde o início da transmissão da cerimônia, todos estavam lá, em volta da televisão.

    Na verdade a maioria deles só estava mesmo. O pai e o filho mais velho dormiam cada um num sofá e a mãe, que costurava, às vezes olhava de soslaio pra TV, em seus devaneios de agulhas e linhas. Só a menina que tinha os olhos há dois palmos do aparelho.

    Ela jamais parara para pensar no motivo daquilo tudo lhe fascinar tanto. Sabia que aquelas pessoas haviam feito coisas importantes, e olhava pra elas como um fiel olha para uma imagem sob o andor. Para a mocinha, trechos de filmes e discursos de agradecimento corrrespondiam a uma só realidade: aquele pessoal era bonito e bem vestido demais para "existir na vida real".

    - Essa TV tá com defeito... Mal se entende o que se diz... - Balbucia o pai ao iniciar um novo cochilo.

    Ela sabia que não era defeito. Só não sabia como explicar que a tradução simultânea estava no mesmo volume do som original da festa, o que misturava tudo. Ainda assim, ela seguia assistindo com atenção, imaginando que graça aquele palavrório todo poderia ter para aquele pessoal lá rir tanto...

    Mas o que mais lhe impressionava era o fato daquele programa estar sendo transmitido ao vivo para o mundo todo. Ficava repetindo na cabeça "transmitido-ao-vivo-para-o-mundo-todo", o que lhe animava muito. De alguma maneira, sentia-se participante daquilo tudo por a sala da sua casa fazer parte do mundo.

    De repente, a menina volta-se para sua mãe, intrigada:

    - Mãe, meu nome tem alguma coisa a ver com esse programa?

    - Hã? Ah, tem sim. Foi idéia daquele lanterninha do cinema, amigo do teu pai. Oscarine... Achei lindo...


    ::: É com satisfação que vos comunico que um texto meu foi publicado no MINILOMBRAS. É bem curto, de acordo com a proposta do site. Quem ainda tiver com paciência, é só clicar aqui.


    sábado, 28 de fevereiro de 2004

    À guisa de um epílogo...


    A visão do calendário inspira um sobressalto. Sentiu o fluxo de oxigênio no cérebro interrompido por um segundo, quase como num soluço psíquico. Tudo sumira a volta: as paredes, o som, o ar, o chão. Ao voltar a si, os nervos já crispados por baixo da pele úmida de suor o imobilizam e a visão perde o foco, granulando-se. O mundo esfria de repente.

    Percebeu um princípio de febre pulsar na nuca. O diafragma inquieto dava uma irregularidade incômoda a sua respiração. Espasmos corriam pelos músculos das pernas como restos de eletricidade estática. Na testa, as veias saltavam como um sinal do esforço em demover de cima de si, ainda que por alguns poucos instantes, a certeza que lhe recaira como uma bigorna ao meter os olhos na folhinha diária.

    Só resta um mês para terminar o trabalho de conclusão de curso.



    quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

    Quarta-feira


    As ruas são cinzas
    Os muros, também.
    Fachadas ranzinzas
    Calçadas, além.
    Playgrounds ainda
    Sem mais vai-e-vem.

    Tons de cinza, apáticos
    Numa bicicleta sem freios.
    São todos monocromáticos
    Os sorrisos de aparelhos.
    Escorrem desejos estáticos
    Nas vitrines de espelhos.

    No olhar da cidade, um cinza profundo.
    Cadê você para colorir o meu mundo?

    Ontem eu vi "O encantador de cavalos". O filme é tão ruim que me deu até torcicolo...


    terça-feira, 24 de fevereiro de 2004

    Entrudo


    No post passado eu falei que não sabia qual era a relação entre o mela-mela e o Carnaval. E não é que eu descobri? A origem disso está no Entrudo, uma festim originário da India, trazido para o Brasil por navegadores portugueses no século XIX. Ele consistia em uma "guerra" de excrementos e talco pelas ruas depois da Quaresma, onde também se atiravam ovos dos altos das janelas e davam-se banhos gelados em quem só assistia o mela-mela generalizado. A coisa chegou até a ser proibida lá pelos idos de 1850, por quase sempre terminar em brigas e facadas.

    "O Brasil é um país sem memória", dizem os melancólicos promotores culturais, sem saberem o quanto enganados estão. O Entrudo esta aí, modernizado é verdade, mas ainda vivo em nossa sociedade. Tudo pelo bem das tradições.


    sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004

    Eterno Carnaval


    Está chegando o Carnaval e, como parte dos saudáveis festejos, a cidade é invadida pela onda do mela-mela. Quem depende de ônibus sabe o que é isso. No período, a garotada confecciona bombas feitas com canos (algo como umas ampolas gigantes) para esguichar toda sorte de melecas e nojeiras nos ônibus que passam. Este é o tempo das viagens fétidas e abafadas, de janelas fechadas. Claro, ninguém quer se arriscar a levar um banho de água de esgoto, óleo queimado ou um ovo podre na cabeça. Todo o cuidado é pouco.

    Uma vez eu estava num ônibus quando uma menina que viajava com a cara na janela foi atingida por um jato de água com cal. Foi no finado SETUSA. Lógico que vinhamos alertando. "É bom fechar isso aí...", "Menina, ainda vão te pegar..." Pois bem. Foi só uma questão de tempo para a suspeita concretizar-se. Ainda pingou um pouquinho em mim...

    Não faço a mínima idéia de onde vem essa tradição escatológica nem de qual é sua relação com o Carnaval. Protesto de classes? "Vocação do brasileiro ao deboche"? Puro instinto maléfico? O certo é que há cidades em que isso consegue ser coibido sem que ninguém tenha que andar cismado. Por aqui as coisas são meio frouxas. É isso no carnaval, os fogos no São João, o cerol das pipas, os cultos ensurdecedores... Vive-se num clima de "aqui pode tudo" e dane-se quem estiver por perto. No mais, caso saiam, tentem manter as janelas bem fechadas.

    Acabei de ler "O pequeno principe". Tão meigo...


    segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004

    Na falta do que postar...

    Mais uns daqueles testes bobinhos. Esse eu catei do blog da Lika.



    Faça você também Que gênio-louco é você?
    Uma criação de O Mundo Insano da Abyssinia


    No sábado foi o casamento da nossa amiga Gio. Festa bonita, ao ar livre, tendo como locação o Forte Santa Catarina, o qual ainda não conhecia. O chato dessas festas é que tem tanta gente conhecida que mal dá pra falar com todos como se deve (imaginem como a noiva deve se sentir...). Bom, com perdão do clichê, deixo aqui o desejo de boa sorte para a Gio nessa sua nova vida que começa e, como dizem os franceses: Merd!

    Agradecimentos especiais a Dina, pela sua carona providencial.

    quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004

    Transitório


    Dias atrás houve uma pequena batida aqui na frente da minha casa. Não foi nada grave ou que rendesse alguma capotagem (como outra que houve dias antes, um pouco mais distante daqui). Claro que vem a vizinhança toda conferir o prejuízo alheio. Ainda não tinha reparado no poder do barulho da batida, que é capaz arrancar as pessoas do aconchego de suas casas, em plena tarde de domingo, seja lá o que estiverem fazendo.

    As mulheres passavam descalças. Dentre os homens, pensei ter visto um com um controle remoto na mão, mas deve ter sido só impressão mesmo. O certo é que as crianças adoram, se deleitam por terem presenciado o choque, contando uns pros outros os detalhes da colisão. Os adultos são mais discretos.

    Desprezando uma das convenções mais primárias do trânsito, o carro que vinha na via transversal chocou-se contra o que vinha na preferencial. Antes que a perícia chegasse, o rapaz que bateu tirou o carro e foi-se embora, deixando telefone e o número da placa. Depois, soube-se que o "afobado" tinha um parente num hospital que acabara de ser baleado, e rumava para lá o mais rápido que podia. Vai-se saber quem tem razão nesse tipo de ocorrência. O mundo anda muito violento.


    segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004

    O paquerador viário


    É assim: se ao seu lado estiver uma moça que lhe agrade, ele puxa papo. Se ela estiver num banco sozinha, ele vai até lá como quem não quer nada e começa a falar. Ou ainda, se a pretendida estiver em pé e de preferência com alguma bolsa ou caderno numa das mãos, ele gentilmente o pede para levar e começa a jogar o papo, partindo do que puder improvisar na hora, seja acerca do clima, do peso dos livros, do mercado de trabalho, etc. Caso ele tenha a sorte da moça não descer antes dele e da conversa tomar corpo até o seu ponto, ele fará o possível para arrancar o telefone dela. E o pior (ou melhor?) é que às vezes ele acaba conseguindo.

    O figura mora aqui no bairro e eu o conheço só de vista. Ele já deve ter passado dos 30 anos, faz Letras na UFPB, só anda bem trajado e portando um sorriso de tubarão branco. Faz o gênero "homem-maduro-protetor". Jamais me passou pela cabeça que um tipo como esse fosse adepto dessa prática.

    Soube dessas suas peripécias exatamente num dia em que, pela primeira vez, pude vê-lo em ação. Por coincidência, eu e um primo - que já o conhecia melhor do que eu - entramos num mesmo ônibus que ele. Claro que o rapaz em questão já havia ido e sentado ao lado de uma moça que estava sozinha.

    Enquanto a coisa se desenrolava dois bancos a nossa frente, meu primo me falava tudo o que sabia sobre os métodos e a trajetória do paquerador. Fiquei bestificado. Ainda não tinha visto esse tipo de abordagem, nem tampouco julgava que ela existisse. Naquela viagem, a escolhida parecia ser uma estudante de enfermagem, que se mostrava nada avessa ao papo.

    Descemos todos na mesma parada e ele, sempre sorridente, cumprimentou meu primo e a mim. "É uma pena. Dessa vez nem deu... Mas aquela daquele dia me deu o telefone!", disse referindo-se a outra moça de uma outra viagem de dias atrás, do qual o ataque meu primo havia sido testemunha.

    Existe um ditado americano que diz "Nice guys finish last" ("Caras legais ficam pra trás"). Estou começando a crer nisto...


    sexta-feira, 6 de fevereiro de 2004

    Cinematográfico

    Naomi Watts e Charlotte Gainsbourg em 21 Gramas.


    Vi esse na quinta-feira e já está mais que recomendado. Esse filme também conta com o Sean Penn no papel principal e é dirigido por Alejandro Gonzalez, o mesmo do tão comentado "Amores Brutos", o que me deixou mais curioso para vê-lo. Ainda na quinta vi na Mostra de Filmes Paraibanos, na Biblioteca Central da UFPB, o vídeo "Jamais vou esquecer quem era mesmo", de J. Audaci Junior. Gostei muito, mas não apenas por ter participado dele. Optando pela ficção, o vídeo rompe com a tradição de documentários e filmes-cabeça que impera por aqui, ficando bem acima da média dos seus contemporâneos. É isso aí. Viva a ficção.

    Tem coisa mais cinematográfica do que uma pessoa te ligar no exato momento em que escrevia um email pra ela?

    quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

    O momento do ciclo (ou "o eterno retorno")

    Enquanto zappeava tediosamente pela programação vespertina do domingo, dei de cara com o CPM 22 no Domingo Legal. E daí? Bom, o CPM 22 é uma banda de hardcore melódico (uma variação do Punk Rock com doses de romantismo adolescente), e o Domingo Legal tem sido nesses últimos dez anos, como se sabe, um dos grandes propagadores da trinca axé-pagode-sertanejo (com o Funk como adendo), os quais são estilos odiados pelos headbangers.

    Esta simpatia repentina desse reduto popularesco ao som das guitarras não é de graça. Não é preciso ser tão observador para perceber que nesses últimos anos o poder aquisitivo da população tem caído progressivamente. Aliado a isso, tem-se um esgotamento quase que total dos modismos populares, o que configura um cenário propício a uma possível volta do Rock aos holofotes.

    O fato é que essa reconciliação sazonal do Rock com a massa é uma tendência comprovada. Sempre em momentos de recessão, e com efeito, de estagnação cultural, o fãs do Rock mantém-se como podem firmes na "causa" e a Industria não tem o que fazer senão ceder a essa demanda. Para esse anseio cultural e ideológico se transfomar em uma pressão econômica é um pulo, e é aí que o Rock se torna o filão do momento. Foi assim nos anos 60 com a Jovem Guarda e a Tropicália, nos 80 com a chamada "Geração Rock Brasil" e, ao que me parece, é o que pode acontecer nessa primeira década do século XXI.

    Os indícios são esparsos, é verdade. Junto com os Detonautas e o Charlie Brown Jr., o CPM 22 não figura como um estandarte ideal para uma retomada do estilo. Nem de longe, o Chorão (do Charlie Brown) ou o Badauí (do CPM 22) têm o peso cultural e a atitude messiânica que Caetano Veloso ou Renato Russo tiveram, mas o efeito catártico que causam na garotada é algo que não se pode desprezar. E para que essa volta do Rock não fique só apoiada nos ombros do niilismo juvenil, eis que nos vem o Skank (bebendo nas fontes sessentistas e com uma música na novela), a Lan Lan e os Elaines (cantando o mais genuíno Rock em português, mas sem "brasilidades") e os Los Hermanos (com arranjos e letras esmeradas, arrancando suspiros da crítica).

    É isso. A roleta está girando. Nos resta apenas cruzar os dedos.

    segunda-feira, 2 de fevereiro de 2004

    Sinestésica


    Lave os cabelos no meu suor
    Mergulhe, poros a dentro.
    Leve o gosto da minha boca
    Na sua garganta, onde entro.

    Salgada a lágrima que escorre
    Silenciosa, como fogo fátuo.
    E no seu peito, onde ela morre,
    Dissipo-a, com o meu hálito.

    Toco imagens em feromônios,
    São aromas, em harmonia,
    Trilha sonora de tantos sonhos
    Em que reges tal sinfonia.

    Corre o espasmo na pele
    Formigando, e uma explosão
    Urgente e tão quente, repele
    A dura frieza do chão...


    sexta-feira, 30 de janeiro de 2004

    Palavras insólitas


    :: Num dia chuvoso, um telefonema para uma repartição

    - Eu gostaria de saber qual a documentação necessária pra a inscrição na seleção do estágio.

    - Olha... É... Faz o seguinte: você vem aqui e eu te digo. É que por telefone não dá... - Falou a atendente, com a voz vacilante.


    :: Subindo num ônibus

    - Boa noite, senhor! - Fala o cobrador com uma feição agradável.

    - Boa noite! - Respondeu automaticamente e, ao achar seu assento, sentia um bem-estar repentino, de origem desconhecida.


    A esperança é a última que morre... Mas morre!


    quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

    Obtuso


    Ébrio, nem épico nem efêmero.
    Lânguido, sutil no seu engano
    Trágico: teimando em ser humano.

    Na vala do meio-fio, resvala
    Afundando no esgoto, o corpo
    Esmaecido que jazia torto.

    Resistindo a sina que lhe cabe
    Espera, atado a sua sorte,
    Que venha alguém e o desamarre.

    Ao eximir-se, fez sua escolha
    E meteu-se dentro de uma bolha
    De onde é difícil sair.


    segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

    TV e Jornal


    Semana passada eu assistia a um desses jornalístico-policiais quando me deparei com uma matéria que falava de um cara que, logo após fazer sexo com sua companheira, havia sofrido um infarto fulminante e morrido ali mesmo, no pé da cama. Folheando um jornal, duas manchetes me chamam atenção: "Jumentos são mortos com crueldade para venda em feira livre" e "Jovens estão cheirando fluido de isqueiro e gás de buzina". E ainda tem gente que acha o Big Bother interessante (é Bother mesmo, sem o R)...

    Este post é dedicado aos meus caríssimos companheiros de cineclubes, baladas e também de formação, é claro. Grandes talentos, grandes pessoas.


    sábado, 24 de janeiro de 2004

    Catarse


    Quem se atreve a me dizer do que é feito o samba? Quem se atreve a me dizer?



    Coquinho


    Estávamos um amigo e eu num ponto de ônibus, naquelas esperas homéricas durante a madrugada, quando um cidadão se aproximou e começou a falar comigo. Pela postura e pelos olhos, traça-se o diagnóstico visualmente: está embriagado. O primeiro impulso é temer o figura, pois sabe-se lá o que ele pode aprontar. Todo mundo sabe que a única forma de se lidar bêbado é concordando com tudo o que diz, e foi o que fizemos. De cara, ele já foi logo encarnando com minha altura, maravilhando-se com o fato de poder haver no mundo gente tão alta que para poder encarar tem que praticamente "olhar pro céu".

    Depois falou de basquete, vôlei, Guiness Book, NBA, falou do filho ("14 anos, dá dois de mim") e do período que passou preso (cinco anos). Ali já deu para notar que ele não tava afim de confusão. "Eu não tô fazendo nada de errado não, né?", perguntava a cada instante. Na verdade, ele é apenas mais um dentre tantos que dão qualquer coisa por uma simples conversa, e que aproveitam qualquer fila ou ponto de onibus pra achar alguém que os ouça (apesar do estado etílico).

    Em mais um aperto de mão, disse que seríamos famosos ("vocês são gente fina") e perguntamos se ele não tinha alguma idéia de nome para nossa banda - ainda em formação. Após algumas tentativas, ele ficou meu intimidado ("e é rock, é?") e não conseguiu pensar em nada. Só pediu para que um dia dedicássemos uma música para ele, o Coquinho, "um caba bom amigo meu que eu conheci lá na Lagoa". É, Coquinho, se sua profecia se confirmar, eu não vou ter como esquecer de te fazer a tal dedicatória.


    quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

    Conto


    Aqui está um novo conto em plena gestação. O primeiro parágrafo foi feito pela Raquel e o segundo é meu:

    Ela era bailarina, alta, magra e tinha no máximo 20 anos. Camille era seu nome. Ao fim do espetáculo, terminava de trocar de roupa e continuou, não se sabe bem porquê, nos camarins do teatro. Quase todos os seus companheiros já haviam ido embora e o cabelo loiro mal penteado denunciava que tinha tomado banho havia alguns minutos. Seus pais eram do interior e não puderam vir prestigiá-la. Porém, apesar de seu aparente sentimento de solidão, fechou a porta do lugar onde estava, cruzou com o vigia mais de uma hora depois e disse a ele, sorridente: "Que noite linda, não é?!"

    Ainda sob o olhar espantado do vigia, Camille arrependia-se do que acabara de perguntar e saia rápido, sem esperar resposta. Debaixo do coque que acabara de aprontar, a moça só tinha um pensamento: o que estava acontecendo com ela para estar tomando tantas atitudes atípicas? Desde que saira de casa para a apresentação, Camille sentia-se em alguns momentos dominada por impetos que lhe levavam a praticar atos inesperados, fora da sua conduta normal. Já estava com medo. Sabia que não estava bêbada, nem tampouco dopada. Nervosismo tardio? Pode ser. Enquanto procurava explicações para o seu estado, Camille tem seu raciocínio interrompido abruptamente ao esbarrar com um mendigo que vinha na direção contrária.


    A continuação estará em breve no blog de Ailton.



    quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

    Pirulito que bate-bate...




    "Eu também queria..." - Gio e Bruno fazendo inveja ao dono deste blog.


    Esta foto foi tirada por Ailton durante o aniversário da Anna, em Dezembro. Apesar da festa ter sido em João Pessoa e a aniversariante estar em Belém do Pará, tudo correu muito bem e teve até espaço para umas fotos engraçadinhas.



    domingo, 18 de janeiro de 2004

    tuts-tuts-tuts-tuts-tuts-tuts...


    Finalmente eu fui numa rave. Da primeira vez que ouvi falar disso, lá pelos idos de 99, tudo que eu sabia desse tipo de festa ou era baseado nas conversas com os antenados, ou através de matérias de TV. Pegava uns flyers, achava bonitinho e só. Dessa vez literalmente eu pude sentir a coisa na pele.

    De início, eu que não sou muito de me movimentar fiquei meio um peixe-fora-d'água, só observando o pulsar da malta sob as luzinhas piscantes. E como era quente aquele lugar! Claro, um ambiente pequeno, com todo mundo muito próximo, transpirando e se atritando, não poderia ter uma temperatura lá tão amena.

    Aos pouquinhos, o impulso que me fazia acompanhar o ritmo da música com o pé foi subindo, passando pelos joelhos, até chegar à cabeça (não sei se poderia chamar aquilo de dança). Demorei pra descobrir que ficar parado ali era péssimo e que o certo mesmo era se mexer de alguma forma, devolvendo ao pessoal a sua volta os empurrões e encontrões recebidos. A dinâmica é a seguinte: um funciona como mola pro outro, e pro outro, e outro... Depois que se acha uma harmonia com o fluxo, pronto: é só manter-se a batida.

    O engraçado era que, a despeito de toda a pulação reinante, era possível encontrar lá dentro na boate gente fumando, bebendo, conversando, namorando e até tirando fotos ou falando no celular.

    Da hora que eu entrei até quando fui embora, a batida continuou basicamente a mesma, o que é um achado para maioria que não é dotada de talento pra dança. Não existem coreografias, nem passos pré-definidos, nada, e se não há regras, conseqüentemente não há erros, o que é bastante convidativo. Eu mesmo me surpreendi com minha desenvoltura...

    Grande parte desse meu sucesso na pista eu devo a companhia encorajadora dos meus parceiros de balada: Luísa ("a falsa tímida"), Andrei ("o falso nerd"), Bruno ("só no gingado"), além de uma outra menina que não conheço mas que disputava com Andrei o título de "O incansável da noite". Os improváveis Hélber e Fabrícia apareceram depois e como nós, se entregaram a suação da batida do drum'n'bass.

    Numa certa altura, perguntei a Luísa da minha performance e ela, gentil de doer, disse que nem parecia a minha primeira vez numa rave e que eu estava me dando bem. No fim, o saldo foi bom: consegui me divertir (contrariando a expectativa da chegada) e, num encontro meio tumultuado, a Miss Lexotan finalmente descobriu quem eu sou.

    Ao sair, me toquei que eu poderia estar com o suor de metade de João Pessoa nos braços preguentos, mas tudo bem. Só acho que me faltou o componente alcoólico para que, associado ao turbilhão de luzes e sons, me fizesse curtir aquilo tudo como se deve. Mas assim mesmo eu gostei, apesar de ser o tipo de coisa que de me enjoaria fácil. Conservador? Não tanto. É que eu ainda prefiro o jeito tradicional de ouvir e fazer música...



    quinta-feira, 15 de janeiro de 2004

    Palavra


    Num ato de extrema gentileza, a Anna falou num comentário que o post do dia 13 tinha algo do Estorvo, um livro do Chico Buarque, que ainda vou ler. Estorvo... Taí uma palavra que se adequa bem ao momento...


    quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

    terça-feira, 13 de janeiro de 2004

    Vigília e torpor


    Nem sei quanto tempo fiquei ali, de face com a penumbra da madrugada. Até o primeiro esboço de cochilo deve ter se passado meia hora, talvez uma, duas... Na tentativa de rastrear o fiapo de luz vindo da rua, que entrava pelas frestas da janela, meus olhos ardiam com suas pupilas em seu diâmetro máximo. Sob mim, o lençol já estava bastante quente e minha boca, seca como barro cozido. Após um copo d'água, volto para o leito com esperanças refeitas. Tento reviver o dia inteiro em todos os seus detalhes, no afã de que isso me enfadasse - o que foi em vão. Penso em lindas paisagens de girassóis, em cachoeiras, descampados, vales e nada... Nada... E caio do nada de volta para a escuridão do quarto. Desisto.

    De repente, me pego despertando de um sono tão breve quanto malfadado. E foi assim que passei esta longa noite, ora semidesperto, ora olhando para o negrume. Nessas idas e vindas percebo que já é dia, e a manhã me pega como a noite me deixou: nem mais nem menos cansado. Maquinalmente, saio para a rua e me deparo com um dia úmido e abafado. Exasperante, o mundo parecia estar na boca de uma chaleira e tudo insistia em dar errado. Entre o branco do céu e a escuridão da noite, preferia estar de volta aos meus tranqüilos pesadelos. Pelo menos deles é possível sair, acordando...


    segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

    Versinhos manjados


    Por que toda maioria é esmagadora e todo porco é chauvinista?
    Por que toda desculpa é esfarrapada e todo frio é calculista?

    Mas nem toda fome é vontade de comer e nem todo útil é agradável.
    Nem toda infância é perdida e nem todo estado é deplorável.


    domingo, 11 de janeiro de 2004

    Telerrealidade


    Um dos maiores teóricos da comunicação de todos os tempos, o Marshall McLuhan, disse uma vez que os meios de comunicação são extensões do homem. Disse também que os homens criam os meios para os meios lhes recriarem em seguida. E ele tem razão. Imagino o ele diria se ele tivesse vivido para ver o impacto da realidade criada pelos meios nas vidas das pessoas. Via-satélite, videotape, Internet... Acho que o McLuhan ia gostar da fluidez que a noção de "tempo" e "espaço" ganhou...

    ...

    "Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
    Com sabor de fruta mordida
    Nós na batida, no embalo da rede
    Matando a sede na saliva
    Ser teu pão, ser tua camida
    Todo amor que houver nessa vida
    E algum trocado pra dar garantia
    "

    Sempre gostei mais dessa letra do que da melodia...


    sexta-feira, 9 de janeiro de 2004

    Die Verwandlung


    Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de seus sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.

    Foi com esta frase peculiar que Franz Kafka iniciou talvez o mais célebre de seus livros, A metamorfose. Quem não lembra daquela música dos Inimgos do Rei, a antiga banda do Paulinho Moska (que hoje é só Moska), que dizia: "Sim, vem KAFCar comigo/ Sim, gosta de tudo o que eu gosto". Pois é, sempre soube do mote da história, e a música só o familiarizou mais. Nunca imaginei que algum dia fosse ler este livro e que ele fosse exatamente do tipo que eu gosto: daqueles capazes de dar um baque, de te deixar pensando por dias. Muito bom. Não é a toa que é clássico...

    A discrepância foi que, baseado na música, cujo título é "Uma barata chamada Kafka", eu pensava que o rapaz se metamorfoseara numa barata simples, pequena, como todas as que conhecemos. Asseguro-vos de que o monstruoso do Kafka não fora bem apreendido pela letra dos rapazes...

    O Orson Welles já dirigiu uma adaptação para o cinema de outro grande clássico do Kafka (O processo), o que me interessou muito. Para a vibração de Ailton, Franz Kafka morreu de tuberculose, no dia 3 de junho de 1924. Tinha que ser logo disso...

    10 de janeiro. Três meses de blog diário. Ainda bem que eu acredito em metamorfoses...


    quinta-feira, 8 de janeiro de 2004

    Link

    Clique aqui para visualizar o post de hoje.

    Tragicômica


    Continuo sem ter o que postar. Mas para que ninguém "dê viagem perdida", posto esta besteira que me chegou por email:

    - Qual é a mais correta definição de Globalização?

    - A morte da Princesa Diana.

    - Por quê?

    - Uma princesa inglesa com um namorado egípcio tem um acidente de carro num tunel francês, num carro alemão com motor holandês, conduzido por um belga, bêbado de whisky escocês, que era seguido por paparazzis italianos, em motos japonesas. A princesa foi tratada por um médico americano, que usou medicamentos brasileiros e este texto te foi postado por um Português, usando tecnologia de Bill Gates, e você provavelmente vai ler isto num clone da IBM que usa chips feitos em Taiwan, num monitor coreano montado por trabalhadores do Bangladesh numa fábrica de Singapura, transportado em camiões conduzidos por indianos, roubados por indonésios, descarregados por pescadores sicilianos, re-empacotado por mexicanos e finalmente vendido a ti por judeus...

    Será mesmo que o Fusquinha-de-Portas-Abertas, vulgo Príncipe Charles, esteve por trás disso? Eu não sei... Se ele tivesse que matar alguém, que matasse a velha, pra que enfim assumisse aquele trono. As más linguas, dentre elas a do mordomo da falecida, insinuam que o Charles "joga água fora da bacia", "escorrega no tomate", "não é chegado", etc. É como se diz por aqui: "Quando o povo fala, ou é ou tá pra ser..."


    terça-feira, 6 de janeiro de 2004

    Orientais


    Imagine um casal se encontrando no final de um filme, após uma série de desencontros. Enfim, eles percebem que dali em diante vão poder ficar juntos. Qual atitude selaria esta certeza? Um beijo, é claro. Mas no filme do Jackie Chan não foi assim.

    Passou ontem na Sessão da Tarde. No filme ("O Último Desafio", eu acho), Jackie interpretava ele mesmo, um empresário cujo hobbie era lutar e que agora se via as voltas com a solidão, procurando sua alma gêmea entre as fúteis modelos que o rodeavam.

    Num dado momento, ele conhece uma moça, recém-chegada do Taiwan, que fora guiada até a China por uma mensagem numa garrafa, encontrada pelo seu golfinho de estimação. Enquanto se conheciam, inevitavelmente um foi que pegando afeição pelo outro (algo como A Dama e o Vagabundo, só que ao contrário). Jackie começa a acreditar na possibilidade daquela inocente caipira poder ser sua parceira ideal, que há muito procurava. Mas, para atrapalhar tudo, ele acaba mandando-a embora ao confundi-la com a mulher de um gangster, rival seu, e ela volta pro Taiwan, desiludida.

    Algumas lutas acontecem e paralelamente ele descobre que havia se enganado. No fim, ele consegue reencontrar a moça, se explica pra ela, convence os pais dela de que realmente a ama e então... Se abraçam. Não trocam nem beijinhos no rosto. De mãos dadas, o casal fita sorridente o Oceano Pacífico e pronto, sobem os créditos.

    Para mim, acostumado aos moldes cinematográficos americanos, um beijo apaixonado seguido por um meloso BG instrumental seria o final lógico do filme, como foi pra tantos outros da filmografia universal. Demorei pra perceber que se tratava de uma produção essencialmente oriental, dada a natureza dos atores, dos nomes que apareciam nos créditos e os países onde a historinha aconteceu. Por isso esse recato todo, esse puritanismo... Tem cena em Malhação que sugere mais do que esse filme todo.

    Estamos mais distantes do Oriente do que pensamos.


    domingo, 4 de janeiro de 2004

    Piada



    E eu que já fui adepto disso...

    Ainda


    Só complementando o post anterior: eu não sou contra gírias nem estrangeirismos, pelo contrário. Isso é o que mostra o caráter dinâmico da língua, sua capacidade de evoluir, se reciclar, etc, etc... Quanto aos vícios eu não vou nem falar por que há vezes em que realmente o problema é mais psicológico do que lingüístico, então melhor não opinar.

    O que eu não aceito mesmo são essas expressõezinhas que um belo dia alguém tido como descolado/antenado aparece falando e que daí em diante está todo mundo repetindo, sem nem ao menos se perguntarem se tal expressão faz ou não algum sentido. Sendo bastante custosa a reflexão, bastaria apenas que evitassem seu uso, à medida que ela fosse ficando mais e mais freqüente. Pelo menos assim a coisa não ganharia status, como foi no caso dos insistentes gerúndios do telemarketing: "estaremos encaminhando", "estaremos enviando"... É um clichê: uma mentira contada muitas vezes uma hora vira verdade.

    Ainda sobre palavras, descobri um site interessante, adequado a estes tempos de muita leitura no computador. É o site do Projeto Releituras, que além de conter textos de escritores iniciantes, possui um acervo de mais de 900 textos de mais de 200 autores, nacionais e estrangeiros, clássicos e contemporâneos, enfim, de todo gênero e época. Lá dá para encontrar muita coisa de Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, Clarisse Lispector e de todos os outros possíveis de serem lembrados. Claro que não tem toda a obra de cada autor, mas pelo menos já dá pra ter uma noção desse ou daquele escritor.

    Apocalipse Now é muito bom. Só ele em seus 200 minutos pra me redimir da bobeira de dias atrás. Marlon Brando, Martin Sheen (pai do Charlie) e Harrison Ford, sendo dirigidos pelo Coppola. Faz tempo que não via tanta estrela junta, e ainda mais ao som dos Doors. "This is the end, my only friend, the end..."


    sexta-feira, 2 de janeiro de 2004

    Palavras


    Odeio quem fala "naIcimento", "naIceu", "aCcessível", "com certeza", "melhor qualidade de vida" e "risco de vida". Também são horrorosos paraibanos que falam "Fala sério" e "Demorou". Outro exemplo ridículo é o da propaganda do biscoito Tre-lê-lê que fez um trocadilho infame com o já sepultado "Uh-tê-rê-rê". Modas tipo "Ah, eu tô maluco", "Vai popozuda", "Não é brinquedo, não" e o recente "Tô nem aí" são igualmente desprezíveis. Ainda bem que essas porcarias passam... Mas os erros permanecem!

    Se você não assistiu A Vida É Bela e/ou A Bruxa de Blair 2 não assista. Perdi quase 4 horas da minha vida com essas pérolas. Juntos são a prova de que uma das premissas básicas do cinema ocidental é a apelação. E realmente, Bruno, Central do Brasil foi injustiçado.



    quinta-feira, 1 de janeiro de 2004

    Propaganda


    Na entrevista de emprego:

    - E você tem alguma experiência com Internet?

    - Sim, já fiz alguns blogs.

    - Meu filho, o que danado é isso??

    Hoje é apenas o dia 2 e eu não tenho nada pra postar. Mas para o dia não passar em branco, deixo aqui só o anúncio de mais uma empreitada pelo terreno desconhecido do webdesign bloguístico, onde a vítima da vez foi a Ovelha. Na verdade nem deu tanto trabalho, só demorei mais colocando o letreiro da imagem de cima. Sei não, vou começar a cobrar..


    Morada

    Quando os homens chegaram , encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rach...