sábado, 31 de dezembro de 2005

Mês

Vez

Três

Cortês

Bebês

Altivez

Marquês

Sensatez

Juridiquês

Senegalês

Insensatez

Camaronês

Drum'n'bass

"Como vão vocês?"

2005 rimava melhor

que 2006.

sábado, 24 de dezembro de 2005

Tudo indo


Enquanto eu chegava, tudo já estava indo
Desfazia-se plataforma, estrada a dentro
Indo, vai, se esvaindo
E ia-se rápido, sem me deixar aproveitar
O meu talvez último desembarque.

Passava por mim, acelerado, escondia-se
Na rapidez dos meus olhos, à minha chegada,
Camuflado nos tantos acenos de boas-vindas
Que não eram pra mim.

Se insinuou, e avançou em formação de ataque
E me deixou de pescoço virado e malas ainda
longe do chão.

"O que faz aí?", pensei, mas não disse
"Volte!", pois calado eu já retornava
Em busca do que não saíra
Do canto.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

O dia em que o sol não nasceu


Aquela sala parecia um quadro surrealista ou um trecho de um filme de arte qualquer. Espalhada pelas cadeiras e poltronas, estava a família, todos ainda de pijamas e camisolas, alguns enrolados em lençóis, mas todos envoltos no mesmo silêncio maciço, compacto, indubitável. Parecia uma sala de espera onde sequer sabiam o quê ou para quê esperavam. Discretamente, a cada cinco minutos, um deles olhava o relógio com um semblante incrédulo. Quando o pai tornou a olhar, o grande relógio da sala ostentava um nove e trinta e sete que chegava a ser imoral de tão desalentador. Àquela hora, ao invés de uma manhã quente e alegre, ainda via-se pelas frestas das janelas uma noite enorme, densa, e plena de estrelas. O sol não havia nascido.

Como líder da família e o mais velho da casa, o comandante da residência, o responsável pela condução da nau que era aquele lar, cabia ao pai uma palavra de conforto ao seus comandados, uma norma que ele, munido de toda austeridade do posto que ocupa, permitiu-se transigir, e com firme humildade, pôs-se no mesmo degrau dos circunstantes ao ir para o meio da sala, e de braços abertos, perplexo, dar voz ao pensamento geral: "o quê que tá havendo?". A mãe, trêmula, nem lhe deu ouvidos, assoou o nariz de chorosa e permaneceu agarrada ao seu terço. "E se for um eclipse?", disse Amanda, intrigada. "Não, deve ser um delírio coletivo, aposto!", ergueu-se Almir.

Quem também não se pronunciou foi Alexandre, o caçula. Só ele parecia estar gostando dessa noite que nunca acabava, ou desse inesperado atraso da aurora. Isto porque, àquela hora, caso o dia tivesse começado normalmente, já teria ocorrido uma reunião na empresa em que trabalhava onde já teriam lhe anunciado sua demissão. A noite ter prosseguido tranqüila, manhã a dentro, foi uma grande massagem nas suas combalidas esperanças.

Antes que o silêncio se refizesse, Almir pegou o controle da TV e ligou-a. Em todos os canais, plantões com jornalistas confusos e apresentadoras com cara de sono falavam da escuridão implacável que tomou conta do mundo naquele dia. Cientistas, astrônomos, físicos, em todas as emissoras especialistas patinavam em explicações contraditórias a respeito do fenômeno. Todo mundo procurava dizer com palavras diferentes que, sabe-se lá porque cargas d'água, de pólo a pólo, de hemisfério a hemisfério, o que se via no céu era uma noite profunda e uniforme. No lado de lá do mundo, onde a noite havia apenas começado, as pessoas já estavam alarmadas com a iminência de não haver um dia seguinte, coisa que cá os ocidentais já experimentavam.

"Vocês repararam? Nas últimas horas não passou um carro na rua...", observou Amanda, a voz da sensatez na casa. "Deve tá todo mundo em casa fazendo o mesmo que nós: nada", atalhou o pai, sôfrego. E de fato, as ruas do quarteirão, do bairro, da cidade inteira, eram verdadeiros rios de solidão onde as casas boiavam imóveis e caladas, emanando ondas de maus presságios para além da noite insistente. "Ué, estão ouvindo?", falou Alexandre, pela primeira vez. De repente, todos na sala atentam para um súbito rumor de passos, como o de uma grande passeata, emergindo ao longe. Ato contínuo, a família, compartilhando um temor irracional, se entreolhou e pôs-se a esperar que o rumor passasse perto da casa. Foram instantes sem respiração.

segunda-feira, 28 de novembro de 2005

Do batente, no tapete, pra fora


Permita-se, vista-se
Daquele jeito, bem vistosa
E saia das minhas vistas

Nesse lar não cabem três
Já tivemos nossa vez
Deixe-se lá

Cuspa assim, beije de lado
Consinto o seu acinte
Não há porquê, mas brinque
Somos felizes naqueles retratos
Hoje, as fotos não pintam mais
os fatos

Por trás desse crepúsculo
Inescrupuloso de tão belo
Há o meu profundíssimo desejo
De que tudo dê certo pra você.

Mas, agora, olhe em volta
Pelo menos, sinta.

Eu, eu sinto muito
Já senti muito
Sinto, sempre.

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Redemoinho


A intempérie destempera
Exaspera
Torna áspero o ser.

E imperiosamente
Latente
Fica assim esse viver.

Quando a sina desatina
Desanima
Tudo explode sem alarde.

E a lágrima despejo:
Morreu o desejo
Antes de virar vontade.

sábado, 29 de outubro de 2005

Quem tem o poder


"Os desígnios de Deus são inescrutáveis!", clamou Raimundo com dedo em riste para a sua platéia. Na verdade, era uma audiência bem modesta, um tio, uma tia e um primo, que pareceram não sofrer o pretendido efeito daquelas palavras tão bem empostadas, e acabaram ficando os três com cara de quem espera o fim da história. Como o silêncio do aspirante a pastor se prolongou, Nana propôs um aparte: "posso botar a janta?".

Não eram golpes como estes que abalavam o rapaz. Quis se submeter a essa provação e estava ali para isso mesmo, ser achacado pela dureza dos seus parentes bárbaros. Eles moravam no oco entre duas cidades, no sopé de um monte, alheios a qualquer idéia do que seja viver ou participar de uma comunidade. Para Raimundo, aquela família pagã poderia oferecer um ótimo exercício para a sua veia missionária. Chegou lá de forma tão exasperada e repentina que ao aparecer na porta o seu tio disparou: "morreu gente?".

Raimundo já estava ali havia quase um mês e tudo o que conseguira foi emagrecer. Imagine o que é pregar toda santa noite, sob a luz quente do candeeiro, e impreterivelmente de terno, um rigor de trajes que seus parentes nunca compreenderam. Compreensão havia, sim, da parte de Raimundo, que logo nas primeiras semanas teve que desistir de lhes ensinar os hinos. "Grite não que vai espantar as galinhas", disse-lhe a tia com um sorrisinho para amenizar a bronca. Raimundo também não conseguiu comovê-los lendo da forma mais apaixonante que conseguia as passagens bíblicas que já levara marcadas. Para não desfeitear o visitante, a família lhe assistia toda noite, mais para ver até onde ele iria com aquilo, disfarçando a apatia até que os bocejos os credenciavam para que pudessem se recolher.

Num daqueles dias uma dor de lado atacou Raimundo e ele foi embora dizendo que iria apenas por isto, mas que voltaria para concluir a missão que Deus lhe incumbira. Pena Raimundo não ter ficado, pois poderia ser curado ali mesmo, por algum daqueles seus rústicos parentes, bastaria que um deles lhe encostasse uma mão na região dolorida e pronto. Se Nilsinho, o primo, foi capaz de no mês passado ressuscitar uma rês que se afogara no barreiro, uma dorzinha daquelas não lhe daria grandes trabalhos.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Além das orquídeas


Dilma entrou toda envergonhada. Sentou-se na beirada da poltrona sem desmanchar o meio sorriso, olhando os bibelôs na mesa de centro, na verdade evitando encarar já de pronto o Mário. De pé diante dela, Mário tentava expressar seu contentamento em tê-la em sua casa perguntando se havia sido difícil encontrar o prédio, se viera de carro ou de ônibus, se fazia tempo que tocava a campainha, se estava com sede. Dilma nem negava nem assentia, mexia a cabeça como se dissesse tudo bem, tudo bem, enquanto aos poucos ia arriscando olhares pela sala e pelo homem.

A moça não imaginava que ficaria tão constrangida ao chegar, mas por sorte sua tensão foi cedendo à medida que ia se agradando com o ambiente. Ao que lhe constava, Mário era solteiro e vivia sozinho, fato que tornava a arrumação exemplar do apartamento ainda mais chocante: estava tudo em seu canto, sem sinal de poeira, o chão de tacos plenamente encerado, um cheiro de limpeza no ar. E o próprio Mário não ficava por menos. Ainda tinha o cabelo molhado do banho, por sinal muito bem penteado, e o rosto barbeado impecavelmente, o que é uma forma de respeito. Isto mais o trato cerimonioso e a postura diplomática lhe imputavam um ar aprazível capaz de admirar qualquer mulher. Até Dilma.

Houve um silêncio e ambos pareciam esquecidos do objetivo da visita da moça. "Vamos lá?", perguntou Mário como se despertasse de um cochilo, e Dilma o encarou pela primeira vez, agora com um sorriso de verdadeira alegria. Dirigiram-se para o terraço do prédio, que pertencia ao Mário por ele morar ali no último andar. Lá, o homem cultivava uma coleção respeitável de orquídeas, de todos os tipos e variedades. Havia diversas prateleiras repletas, jarrinhos por toda parte e no centro um grande canteiro. Foi para vê-las que Dilma estava ali. A moça descobrira que o seu professor era um aficcionado pelas flores, e ao vê-lo num jornal percebeu que isto não se tratava de um mero gracejo da sua parte, a fim de atrair para o seu covil mulheres deslumbradas com tamanha sensibilidade.

Topou ir vê-las, entre risinhos, e pegou Mário de surpresa. Ele dissera que fazia tempo que não recebia ninguém em sua casa, que se utilizava das flores também para se aproximar das pessoas, e Dilma se comoveu. Já lá, ela tornava a encantar-se, seus sentidos estavam inundados, aquele aroma, as formas magníficas das orquídeas, as cores, Mário recitando as tipologias de cada flor, que homem é esse que não me olha as pernas nem o decote, pensava ela, embevecida. "Aceita um refresco?", e Dilma aceitou, e bebeu às goladas, ávida por mais detalhes, que Mário lhe dava com a mesma paciência inicial. Agora era o seu paladar que era massageado, até refresco ele sabe fazer, pensou ela, sem conseguir precisar que sabor era aquele.

E ficaria sem saber porque dali um tempo caiu num sono do qual não voltaria a acordar. Sorte dela não poder voltar a si, triste seria despertar e ver-se esquartejada, o professor todo sujo de sangue, seu olhar lascivo, os membros espalhados pela sala, a serra, pior ainda seria acordar um pouco depois e ver-se aos pedaços no interior da terra preta do canteiro, com os pedaços de outras incautas que por lá apareceram, servindo de adubo vigoroso para as orquídeas, uma informação omitida enquanto ainda ouviam as explanações de Mário, que não sabia se olhava para as moças pensando nas orquídeas ou se o inverso. No mais, todas morriam como Dilma, sem saber dessa outra tara daquele homem, que era a de esquartejar moças, com esmero de floricultor.


::: E confira como foi o Festival Mundo clicando aqui.

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

Indignação


Faz tempo que eu não deito e durmo antes da cama esquentar antes de cantar o primeiro passarinho.

Porque por mais que se tente é difícil segurar coisas que invadem a cabeça após algumas taças de vinho.

Sempre acaba-se tudo como começa e hoje expiro por tudo que expirou há tempos quando fiquei sozinho.

Daí passo semanas inteiras assim mastigando uma vontade amarga de que tudo se repetisse igualzinho.

domingo, 11 de setembro de 2005

O fim do destino


Bem que Dona Dirce não queria, mas Marieta acabou casando sem saber direito o que isso era. Ela era a mais nova de três irmãs, quinze anos mais nova que a segunda. Quando deu por si as irmãs já moravam longe, e só apareciam de vez em quando com uns sujeitos entojados que ela nunca se interessou em saber quem eram. Marieta cresceu assim, longe do burburinho das garotas da cidade, isolada e contente, do jeito que a mãe quis. Não tinha vaidades, não tinha desejos, nem ânsias maiores que o perfeccionismo nos bordados. Sob a vigilância de Dona Dirce, sua mãe, Marieta já perdia o viço da mocidade e parecia rumar satisfeita para uma maturidade de solitária convicta. Havia estacionado nos doze anos de idade e nem lembrava que era uma mulher.

Um dia surgiu por aqueles lados um tal de Abílio, primo em terceiro grau do falecido pai de Marieta. Tinha ido tratar de uns negócios na cidade, mas acabou ficando uma semana, e Dona Dirce soube bem porquê. O homem se encantara com a impaciência infantil da prima, que para ele pareceu altivez de moça direita. Era certo também que Marieta ainda guardava lá seus encantos: era alta, um tanto corpulenta, e tinha um olhar vivaz que não fugia de encaradas. Dona Dirce teve medo. Sabia que se ele fosse muito insistente, bastaria uma faísca para Marieta acabar se arvorando por "certos" assuntos. Cederia logo à novidade, ia tomar gosto, se alvoroçar, e foi isso mesmo que aconteceu. Depois de seis anos de idas e vindas, mesmo com o Abílio tendo arranjado uma mulher nesse tempo e Dona Dirce colocado terra como pôde, os dois, exaustos de tanta vontade, se casaram e partiram sem dizer para onde.

Agora, passado um mês, os dois estavam de volta à casa de Dona Dirce, só que Abílio partiria sozinho dessa vez, deixando lá uma Marieta furiosa, mas sobretudo, confusa. Foram trinta dias terríveis para os três. Para Dona Dirce, cedo ou tarde isso aconteceria: se ver às voltas com o que fugiu a vida toda. Já esperava se chocar com a falta de palavras para o que a parteira achou estranho quando Marieta nasceu e que ficou inexplicado até então. O seu ex-genro não estava menos encabulado. Tentava imaginar, para quando perguntassem, uma resposta suficientemente forte para explicar o fim repentino do casamento. Teria que ser algo mais específico do que "ela não serve", e que o livrasse do embaraço de contar que a ex-mulher nascera com a vagina tapada.

sexta-feira, 2 de setembro de 2005

Constatações


É tão bonito o sentimento
Que nem de longe esse palavreado
Disforme
É capaz de lembrar o que se tem aí
Dentro

E a vontade de abraçar apertado
É tão grande dentro deste mesmo
Corpo
Que pesa a ponto de deixá-lo lá
Fincado

Também poderia ser mais ameno
Mas sempre na hora se descarrila
Tudo
E o melhor afago sai com jeito de
Aceno

Já em casa, uma certeza acalenta:
Que é possível, sim, uma presença
discreta
Dizer bem mais que uma passagem
Barulhenta.

terça-feira, 16 de agosto de 2005

Agripino grande herói


Atendendo a uma convocação extraordinária, feita em parte de boca em boca, em parte pela difusora da cidade, a população se reuniu na praça naquela manhã para aplaudir o Agripino pelo seu ato heróico. A abertura das homenagens ficou por conta da banda da guarda municipal, que tocou até lá pelas nove quando o sol começou a esquentar. Depois se seguiram os pronunciamentos idênticos dos 22 ou 23 vereadores, que lembraram o feito do destemido Agripino, homem de fibra, exemplo de coragem, que na manhã anterior havia salvo das águas gulosas do açude a filha do seu patrão e prefeito, o Sr. Fontes. Ao término dos discursos, o presidente da Câmara subiu no palanque e deu ao Agripino uma medalha de bravura, alçando-o da categoria de simples tratador de cavalos à herói municipal.

Na qualidade de líder máximo da cidade e pai da menina salva, cabia ao Sr. Fontes encerrar as homenagens. Os assessores trataram de apressá-lo para que terminasse logo com aquilo, pois o povo, e eles também, já estavam querendo ir almoçar. Com lágrimas nos olhos e abraçando Agripino de lado, Sr. Fontes percebeu que a platéia não estava ligando muito para as suas mostras de gratidão, e meio que confundido pelo comício fora de época, achou de criar um efeito retórico inesperado: de chofre, propôs ao Agripino que lhe pedisse o que quisesse, fosse o que fosse, que não se acanhasse. Poderia pedir a recompensa que achasse que merecia, e que não se importasse com o preço. Aí a multidão se calou. Um silêncio de doer nos ouvidos se esparramou sobre a praça, sobre a cidade inteira, sobre a região. O vento cessou e houve quem jurasse que os pássaros haviam parado no ar. Estavam todos atônitos, lívidos com a possibilidade surreal de alguém enricar de repente, diante dos olhos. Pela gravidade dos rostos, parecia que estavam presenciando um milagre ou uma aparição sobrenatural. E Agripino, com um sorriso que não dava para saber se era de malícia ou de ignorância, tomou o microfone após alguns instantes de reflexão e falou decidido:

- Eu quero uma máquina de cortar cabelo!

domingo, 7 de agosto de 2005

Quem é


Quem é que chega
Derrubando muros,
Desdobrando esquinas,
Desatando os laços das
Tranças das meninas?

Quem é que chega
Começando a festa,
Bagunçando a praça,
Perturbando a ordem
E depois disfarça?

Quem é que deixa
Tudo às avessas
E encurta as horas
E defaz promessas
E encerra outonos
E desliga estrelas
E balança o mundo
E me dá tonteiras
E num só segundo
Já revolve tudo
E me deixa mudo
Quando diz "adeus"?

quinta-feira, 28 de julho de 2005

Graças ao acidente


O barulho de gente correndo por entre um matagal é inconfundível. Sons abruptos, impacientes, aparvalhados.

O afinco deles se via nas camisas empapadas de suor, mas ainda assim haviam perdido a moça de vista. Abriam picadas, viravam esquinas, estacavam, praguejavam. Ela passara como um raio, descalça, deixando as lágrimas pro vento e o cheiro do cabelo no ar. Ainda lhes ouvia, era como se estivessem bem no seu pescoço, arfando, salivando, irracionais. Não carregava nada além do pudor e do vestido sem nada por baixo. Suas pernas formigavam quando se meteu debaixo de uns arbustos ignorando os espinhos e os insetos. Tremendo de pavor, agarrou as pernas contra o peito certa de que se fosse pega não seria poupada. Sem querer ceder aos quebrantos da consternação, sua língua se repuxava pra garganta sempre que a mera possibilidade da violação passava pela sua mente como uma brisa desconcertante.

Os mosquitos já vinham trazendo a noite quando viram um pé delicado pra fora de um monte de mato. Mal desabotoaram as calças tiveram que desistir. Alguns ainda comemoravam quando um deles notou dois furinhos naquele calcanhar pálido.

quarta-feira, 20 de julho de 2005

Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos do Destempero


Outra vez você armou escarcéu
E escancarou aos quatro ventos
O que não fizemos a quatro mãos
E os sentimentos

Nos levaram ao estardalhaço:
Pegamos o estandarte,
Nos demos o braço
E fomos com o bloco, a banda
E o palhaço

Lavamos a roupa suja
E os retalhos das nossas colchas, das fantasias
Que não realizamos
Atiramos pratos e jarros ao invés dos confetes
Que sequer jogamos
E gritamos de ódio porque de prazer
Nunca gritamos

Não precisamos pintar os rostos porque de hematomas
Já nos pintamos
Nossos narizes vermelhos como os dos palhaços
É porque só choramos

E o espetáculo espatifado chega ao fim
Quando a fanfarra encerra a melodia
Com povo dolorido cantando alegre o nosso samba,
Que é deles também,
Já sob o sol do outro dia:

"Eu sei que você não tem medo de ir além,
Eu sei que você faz isso pelo nosso bem..."

quinta-feira, 14 de julho de 2005

Prazeres e prazeres


- Eu acho que eu não sou normal, não...

- Por que diz isso?

- É que tem uma coisa... Tem uma coisa que me dá um prazer maravilhoso, mas eu sei que é muito bizarro...

- O que é? Pode dizer... Você pode confiar em mim. - Sorriu.

- Não sei... Acho que você vai me achar um louco...

- Diz.

- Hum... É... Eu adoro ouvir o barulho da ratoeira.

- Como é?

- O barulho, aquele estalo que dá quando ela pega o rato, aquele "clac!"... É quase... É quase... Orgasmático! É sublime!

- Que coisa...

- Eu adoro... No meio da noite, aquele silêncio todo e de repente... "Clac!". Fico doidinho. Isso me remexe por dentro... É sério...

- Nossa! - E soltou uma gargalhada.

- É, mas não é pra espalhar, não... Já basta você sabendo das minhas taras...

- Não se preocupe, querido. Seu segredo vai ficar guardadinho comigo.

Passaram ainda algum tempo juntos e se despediram. Ele foi para casa dormir. Ela também, mas só conseguiria se antes acariciasse as urtigas que criava num vaso, enquanto olhava a foto de um ex-namorado.

quarta-feira, 6 de julho de 2005

Salvação


A notícia da guerra chegou com uma lufada de tristeza à cidade. Carretas chegavam vazias e voltavam para a capital com dezenas de recrutas para lutar sabe Deus onde. Soldados ainda sem barba na cara partiam, enquanto o contingente de mães desoladas crescia no lugar. O barulho dos aviões passando baixo e as senhoras de luto antecipado transformavam a melancolia numa peste contagiosa.

Naquela tarde Raimundo fora com os amigos se alistar na representação local do exército. Quando voltou, já de noite, entrou à surdina: não queria dar de cara com a tristeza da mãe. Jantou no escuro. Quando passou pro banheiro, viu no quintal a brasa do cigarro da mãe entre as ramagens do pé de caju. Foi dormir.

No meio da madrugada a cidade foi surpreendida por um crepitar impetuoso. Era um incêndio exatamente no pequeno quartel da guarnição, onde estavam todos os registros dos soldados que seriam apanhados nos dias seguintes.

Três da tarde. A pavorosa carreta estava estacionada na praça a espera dos recrutas. Em volta dos oficiais estava todo o lugarejo, liderado justamente pelo representante das forças armadas na cidade:

- É melhor os senhores irem embora e não voltarem mais. Vocês já trouxeram tristeza demais pra essa gente.

A carreta verde partiu e nunca mais foi vista por aqueles lados. A multidão exalou um cheiro doce de gratidão que amenizou um pouco o mormaço.

quarta-feira, 29 de junho de 2005

Até parece

Até parece que há vergonha nessa cara
Até parece que se escreve o que tu fala

Até parece que tu vale o que tu come
Até parece que tu age feito homem

Até parece que eu reclamo sem motivo
Até parece que é de tu que eu preciso

Palhaço!
Safado!

Não sei o que estou fazendo do teu lado.

quarta-feira, 15 de junho de 2005

Solidário e suscetível

Aquilo deveria ter sido apenas uma reunião como tantas outras. Deveria ter sido apenas um comunicado de rotina, mas acabou se transformando numa situação bem extenuante. De repente a mulher lá saiu do tema e emendou uma história que aos poucos foi comprimindo a garganta de Ademar, e lhe marejando os olhos, até que ele não conseguia mais achar posição confortável na poltrona. Ele começou a simular um acesso de gripe para despistar o esfregar dos olhos, mas parou logo com medo de que sua péssima performance denunciasse ainda mais a sua inquietação. Angustiava-se também ao ver que todo mundo à sua volta mantinha-se impassível ante àquele discurso tão tocante. Enfim, não lhe restou mais o que fazer além de erguer-se, pegar suas coisas e sair do auditório da forma mais discreta que podia. Foi pra casa.

Quando chegou, a respiração ainda estava atravancada, aos tropeços. Entrou todo ressabiado, temendo que alguém lhe perguntasse o que tinha acontecido. E que resposta daria?

Ficou evitando tudo que pudesse evocar algo da história que a mulher contava. Nem adiantou. Passou o resto do dia e da noite com a imagem da mulher falando aquelas coisas com tanto sentimento, com tanta verdade e com tanta dor que mal conseguira dormir.

Pela manhã, comemorou no banheiro a notícia que lhe deram ao se levantar: a mãe de um vizinho havia morrido. Pronto, seria perfeito. Poderia juntar tudo: o pesar de hoje com a comoção de ontem, ainda a lhe engasgar. Agora sim, extravasaria tudo de uma vez, num bolo só, e ainda pareceria solidário a dor alheia. Já pensava satisfeito no quanto de lágrimas deixaria rolar a vontade, de qualquer forma a ocasião era oportuna a coisas desse tipo, e se desafogaria até do que já tinha esquecido. "Coitada, coitada...", soluçava enquanto tomava café sob os olhos perplexos da família. "É cada coisa que acontece na vida da pessoa...", e mordia o pão, desconsolado. "Mas ela já tinha 102 anos e vivia por aparelhos!", gritou sua mulher. "Eu sei! Eu sei! Estou falando do filho!", replicou ele, e passou o resto daquele dia morrendo de pena, agora do vizinho.

segunda-feira, 6 de junho de 2005

Partiste

Partiste
De um princípio que não sei em que
Consiste

Partiste
Sabendo que eu não sou do tipo que
Desiste

Partiste
Minha alma e eu fiquei com a parte
Triste

Partiste
E eu nunca mais fui aquele a quem tu
Viste

Partiste
A dor do que poderia ter sido e não foi
Persiste

Partiste
Mas aqui longe, eu sei, você ainda
Existe.

domingo, 29 de maio de 2005

saudações

Gleydson você pode não sabe mais você é o grande amor da Minha vida eu te amo gato, gostoso, você deve estar se Perguntando quem será essa tal admiradora secreta, será que eu a conheço, a resposta é simples você me conhece sim de vista.

Gledyson pode acredita você é o Primeiro boyzinho que eu amo de verdade Pode acreditar gatinho eu te amo...

obs: se você estiver achando, que isso é uma brincadeira, nunca se iluda, por quê isso não é uma brincadeira, ou você acha que eu ia perde Meu tempo gastando folha de caderno, é tinta de lápis só prá se diverti as suas custas nunca se iluda, Por quê eu nunca seria capaz de brincar com os seus sentimentos.

atenção: gleidson você tem que ser preso imediatamente, porquê você roubou Meu Coração.

domingo, 22 de maio de 2005

Sem flocos


Passo após passo, firmes passos, estava quase lá. O monte não era tão íngreme. Todos aqueles agasalhos, casacos novos, dificultavam a subida, eram obstáculos necessários, e superáveis. Aquela era a noite mais fria do ano, doze graus negativos. Isso também não era obstáculo. Derrapa o sapato, esfria o nariz, o destino é pra frente, pra cima. Havia percorrido milhares de quilômetros, estava na casa do primo havia dias, dias de esperas, dias de ânsias, só por aquele momento. E as pernas doíam, a boca estava ressecada, mas nada de desistir, a vontade não falha. Nos outros anos não teve como, mas naquele ele fez o que pôde para estar ali, no inverno, onde ele sabia que já tinha nevado. Neve. Viu na TV: "Os meteorologistas dizem que a possibilidade de nevar hoje, mesmo nos lugares mais altos, é mínima". O olhar cintilou. Que felicidade. Finalmente ouvira falar de neve ali, e naquela noite, seria o dia há muito esperado. E seu primo, Sérgio, lhe acompanhava, a contragosto, pelo gosto dele, naquela subida, naquela possibilidade. Tudo porque queria porque queria ver neve, pegar, sentir, provar, para depois guardar a neve num cantinho quente e seguro, nem que fosse na memória, onde nunca derreteria.

De repente, a grama rala debaixo dos pés deles começava a se esbranquiçar, e ele apontava para baixo, apontava para cima, pedaços do céu, Sérgio, pedaços do céu, dizia, num riso chorado, de rosto vermelho, coração que batia violento. Sérgio ia mais atrás, indiferente, geada, geada, Sérgio discordava. Mas o outro apressara o passo, pulando, um pular infantil, de braços abertos, contentes, é festa, é o cume, brilhoso, o ponto mais alto, mais perto do céu. E a neve é aqui. Mas chegou, e nada de flocos caindo, não, nada, nada, quem caiu foi ele, caiu de joelhos. Olhos no céu opaco, olhos na grama de vidro, mãos na grama, nos cristais, era gelo, cadê a neve fofinha que não cai, cadê as plumas das nuvens, e Sergio só reclamava do frio, tá muito frio, mas o outro sentiu um calor, súbito. Era hora de voltar para casa, Sérgio reclamava, mas seu primo não se levantou, foi de cara no chão e ficou. Neve, será que vai nevar, ainda disse isso, suspirando, respirando pouco, e parando, Sergio correu, chegou depois. Depois da hipotermia, foi falta de costume com frio, foi falta de agasalho decente, não agüentou o coitado, nem viu a sua neve, que não caiu mesmo.

domingo, 15 de maio de 2005

Dessa vez


Dessa vez eu prometo
Que vou mudar o meu jeito
E vou tentar fazer direito
O que eu nunca acertei.

Dessa vez eu garanto
Que vou ficar tão santo
Que vou te causar espanto
Pelo tanto que já mudei.

Dessa vez eu te digo
Que dessa vez eu consigo
Que não vai ter nem perigo
De eu pôr tudo a perder.

Dessa vez eu te juro
Que nunca mais te procuro
Que vou bancar o maduro
E vou tentar te entender...

sábado, 7 de maio de 2005

Cora Norat


Espero que goste. Com amor, da tua eterna, Cora Norat.

Só em casa Danilo foi notar a dedicatória na capa do disco que comprara. A princípio não gostou daquela inscrição na capa do seu Led Zepelin 4. Porém, com o tempo, começou a passar uns minutinhos pensando como seria aquela desconhecida de escrita objetiva e bom gosto musical.

Meses mais tarde Danilo dirigia-se para a sala onde faria o seu primeiro vestibular. Sua tranqüilidade o abandonou quando deu com o indicador no nome dela bem acima do seu na lista fixada na porta. Tomou seu lugar e ficou vendo qual daquelas garotas poderia ser a tal Cora, a sua Cora, a Cora. Corinha, porquê não? Alguma tinha de ser ela, não haveria numa cidade duas Coras Norats...

Só descobriu quem era a Cora meses depois da aprovação, durante uma chamada já na primeira semana de aulas na universidade. Danilo não lembrava de tê-la visto no dia da prova. Como aquela menina tão atraente ali do seu lado lhe passara desapercebida naquele dia? Após o espanto, afligia-se agora sem saber como se aproximaria dela, apesar da certeza de que iriam ficar amigos (ou até mais que isso). "Led Zepelin, arquitetura, All Star... É afinidade demais, não pode dar errado..."

Depois de ouvir a história, Cora ficou puta por ele ter achado num sebo o disco que dera ao ex-namorado. E com comentários frívolos sobre relacionamentos, a conversa entre eles cessou pra nunca mais ser retomada. Danilo não fez mais questão. Ela era muito chata.

segunda-feira, 25 de abril de 2005

Possibilidade


Moravam os três numa casa de dois cômodos. A casa era distante de tudo, num estado de fronteiras tão incertas quanto a época das chuvas. Os três subsistiam, viviam por si próprios, em dias que começavam ainda escuros. Ferviam água de barreiros, cavoucavam uma terra teimosa, tomavam leite de uma cabra doente, e a insalubridade daquele viver contrastava com as suas longevidades. Só sentiam os anos passarem à medida que iam perdendo dentes.

E falando em tempo, já estavam ali havia tanto tempo que nem lembravam dos graus de parentesco. Nem se lembravam mais quem era mãe de quem, ou mulher, ou irmão, ou quem viera de passagem. Conversa não havia, e mesmo que houvesse, ninguém ia se preocupar em estar evocando um passado que talvez nem tivesse existido. Nunca houve passado. Só havia um presente, e naquele presente, a presença de ódio mútuo. Parecia inacreditável que três pessoas, tendo apenas a si mesmas num raio de milhares de quilômetros, pudessem se odiar tanto.

quarta-feira, 13 de abril de 2005

O cavaleiro e a donzela na torre (II)


Meu bem, não se iluda
Já me meti nesses enganos
Uma vez fiz tantos planos...
Fiquei burra, surda, muda,
Cega, doida, de verdade,
Com a possibilidade
Uma coisa absurda...
Era pouco o encanto
E nem era para tanto
Não durou uma só chuva:
Ergui o castelo e no fim
Ele caiu em cima de mim!

domingo, 3 de abril de 2005

O cavaleiro e a donzela na torre (I)


Balança minha rede
E mata essa sede
Que não sei se tenho.
Tá bom, não se gabe
Eu sei que você sabe
Porque sempre venho.

Poxa, vê se não some
E mata essa fome
Que não sei se é minha.
Não me transtorne...
Apenas transforme
Minha vida mesquinha.

Eu quero ficar pasmo!
Vamo sair do marasmo
E dessa piscina rasa.
Olha, não tem mistério:
Não me leve a sério
Só me leve para casa.

segunda-feira, 21 de março de 2005

Enfim, a vida


Talvez só te reste uns três anos de vida. O abatimento em que caiu após ouvir e interpretar cada palavra dessa frase insalubre quase o fez crer que só lhe restavam três minutos de vida. A imagem do médico pronunciando aquelas palavras ficou se repetindo debaixo das pálpebras cada vez mais lentamente, e a cada nova repetição o traçado labial ia ganhando um contorno cada vez mais vil, debochado, insuportável. Nem era por causa da compaixão profissional do médico. Doía por já ser caso pensado, coisa decidida, inapelável.

Saiu a passos vacilantes. Seriam apenas três anos de vida. Apenas três anos. Três anos. Três. Apenas. Era possível que dali a 36 meses estivesse sendo levado às pressas a uma urgência, num último esforço ante o irremediável. Seria a última demonstração de afeto e consideração, tentativa incauta de amenizar a aspereza dos seus instantes finais. Foi só um mal passageiro, coisa boba, era o que ensaiava para dizer a mulher quando chegasse em casa e escondesse o exame.

A primeira coisa que fez foi voltar à cidade onde vivera na infância. Procurou uma antiga vizinha que, morta de rir, recebeu dele as desculpas por um certo roubo de calcinhas do seu varal quarenta e tantos anos antes. Na volta, fez pipa com o filho; reviu "Marcelino, pão e vinho" oito vezes e se permitiu chorar em todas; participou de tudo quanto é amigo secreto e foi fazer aulas de francês. Morreu 30 meses depois da infausta consulta, sem jamais ter dito eu te amo a mulher.

segunda-feira, 14 de março de 2005

Prece


Meu amor não morra
Me socorra
Da masmorra
Sem paredes

Meu amor não corra
Me envolva
Me revolva
Sem rodeios

Meu amor me abrace
Me estilhace
Me despedace
Sem pudores

Meu amor não peque
Me pegue
Me urra
Me forre
Me cante
Me cobre

Meu amor não cesse
Se apresse
E atenda
Esta prece.

(Li / Luís)

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2005

História de criança


Era uma vez uma criança. Era uma vez uma janela. Era uma vez uma cadeira ao lado de uma janela. Era uma vez uma criança em cima de uma cadeira. Era uma vez uma babá displicente. Era uma vez um parapeito. Era uma vez uma criança num parapeito. Era uma vez a cidade lá em baixo. Era uma vez um grito de mulher. Era uma vez um susto, um céu e um vento. Era uma vez uma criança.


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Notem que aqui ao lado há um link novo ("A novidade") de um novo blog. A idéia é nos moldes do Cítricas, de Bruno, mas o papo lá é outro...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

Desventura


Quem me cura
Quem me cura
Dessa dor que é intensa
Tanto que até se pensa
Que nunca vai acabar

Quem procura
Quem procura
O remédio da doença
É aquela tal presença
Que não pensa em voltar

Tanta jura
Tanta jura
Do meu lado nessa mesa
Mas sobrou só a tristeza
No almoço e no jantar

Nada dura
Nada dura
Ele me mostrou sorrindo
O maldito do Destino
Que só vem azucrinar

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Urgência atrasada


Venha logo para casa, é urgente, foi o que conseguiu ouvir na ligação tumultuada. Coisa estranha, isso nunca havia acontecido, acabou indo. Ia a pouco mais de um quarteirão de casa quando percebeu sua rua coberta por um lixo limpo. Pedaços de fotos suas quando criança, cacos de eletrodomésticos, peças de roupas femininas, que loucura é essa? Viu de longe um filete de fumaça que nascia bem de onde estava sua casa. Lá também havia uma aglomeração de carros, de gente, sirenes. "Deve ter sido o botijão de gás", ouviu de alguém quando chegou.

É um troço bastante chato você chegar em casa e ver que ela não existe mais.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

Nome: LUIS CARLOS VENCESLAU DA SILVA

Medida de Desempenho: 566,81

Curso: ARTE MIDIA

Cidade: CAMPINA GRANDE

Turno: DIURNO

Situação: APROVADO

Posição: 8

Período: 2º PERÍODO


::: Bye, bye, João Pessoa!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2005

Choque pós-traumático


A casa andava num silêncio sólido. Quase se podia ouvir o tricotar aracnídeo nos cantos do teto. As portas e as janelas mantinham-se dia e noite fechadas, e o pó, que antes repousava sobre os móveis, agora estava no ar como nas câmaras egípcias.

Era de se espantar que houvesse gente vivendo ali. Lá dentro, parecia que todos haviam perdido a fala na mesma hora. Nas vezes que um passava pelo outro nos cômodos e nos corredores, nem sequer trocavam olhares. Limitavam-se a ficar nos seus quartos, abafando com lençóis um ou outro choro mais insistente. Tamanha era a desolação que Leila perdera o apetite. O fato de ninguém ter dado a mínima para o seu fastio não lhe incomodou tanto quanto a apatia da casa.

Também já estava há dias sem dormir. Inquieta com aquela modorra caótica, por vezes amanhecia revirando tudo atrás de motivo para aquilo. Naquela manhã, Leila estava no terraço quando o jornal foi jogado no jardim abandonado. Ao folheá-lo, encontrou uma foto sua ao lado de uma cruz e de um convite para uma missa. Foi assim que entendeu tudo.

sábado, 8 de janeiro de 2005

O momento da deflagração


Estavam lá os três, estáticos. Pareciam atados entre si por cordas invisíveis. Silêncio. Mesmo um diante do outro, era como se quisessem passar despercebidos na paisagem da sala, camuflados, miméticos, decorativos. Estavam lá os três, imersos numa realidade oleosa onde não havia som nem os ponteiros se moviam. Tensos. O que estava perto do telefone não tinha por quê telefonar; a que estava perto da arma não tinha como atirar; a que estava perto da porta não tinha como correr. Tudo parado naquele espaço sem tempo. Em comum, só os olhares sobressaltados. Por mais que a filha colocasse os seus olhos nos da mãe e com eles gritasse que aquilo não poderia estar acontecendo, o visitante inesperado já estava dentro, aquele havia sido o momento da deflagração, e a partir dali um seqüestro entrava em andamento.

domingo, 2 de janeiro de 2005

Não vou mais sozinho ao cinema


Fui ao cinema ver uma tragédia
Sobre um cara e o seu dilema.
Mas tanto faz, romance, comédia:
Não vou mais sozinho ao cinema.

Na bilheteria, eu espero alguém
Que não virá, é esse o problema.
O filme até pode ser bom, porém
Não venho mais só, ao cinema.

Antes vou comprar uma pipoca
E o pipoqueiro me olha com pena
Deve achar que sou um boboca
Para vir sozinho ao cinema.

Dentro, estou guardando o lugar
E esperando aquele telefonema
De alguém que não vai me ligar
Para avisar que não vem ao cinema.

Vai ser triste quando o filme acabar
E não ter com que comentar a cena
Onde o cara diz, na mesa do bar:
"Não vou mais sozinho ao cinema!"

Morada

Quando os homens chegaram , encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rach...