segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O lado escuro do hype


QUAL NÃO FOI a minha surpresa ao dar de cara com o Tame Impala na trilha da novela da Globo? Na verdade, nem era tanto de se espantar ver uma banda dessa em “O Rebu”, que tem buscado uma trilha mais moderninha, quase indie. Mas o fato acabou me lembrando de que, ultimamente, em meio a um pop cada vez mais coreográfico e um rock cada dia mais robótico, bandas com um viés mais psicodélico tem despontado com certa frequência e qualidade.

A cada dia eu venho tendo a impressão de que este segmento tem se fortalecido como um reduto e um meio por onde expressar um lado mais orgânico do rock’n’roll que tem sumido das paradas e das rádios. O Tame Impala talvez seja o grande exemplo disso. Com dois discos gravados, os moleques acabaram chamando atenção com um som que remetia tanto aos vocais de Lennon quanto aos riffs do Led Zeppelin, tudo isso embebido numa atmosfera etérea que vai bem tanto no disco como ao vivo. Mas não fica neles. O Foxygen, que é mais ou menos da mesma safra, trás um apelo menos viajoso e mais calcado no pop sessentista, a exemplo do que o Apples In Stereo, e outras bandas da Elephant Six faziam no começo dos anos 2000. Com eles, a experimentação, a ausência de linearidade, convive muito bem com o brilho e o senso pop dos mais aguçados.

Outro, mais recente, que tem chamado atenção inclusive de gente como Noel Gallagher e Johnny Mar é o Temples. Há quem diga que são seguidores do Tame Impala, mas pelo visual e pela sujeirinha no som, dá pra ver que eles estão procurando algo bem próprio. O terreno até que coincide em alguns momentos, mas o Temples traz um tom mais obscuro e mais roqueiro dentro dessa veia psicodélica, e claro, tudo disposto na estrutura de canção pop para não cansar a paciência do ouvinte. Syd Barret e Marc Bollan curtiriam.

Há também, entre as novidades, uma daquelas com um nome bem à moda da Costa Oeste americana, dos anos sessenta: The Ghost of a Saber Tooth Tiger, que é capitaneado por ninguém menos do que Sean Lennon, o filho do homem. Não é de hoje que o rapaz lida com essas instâncias psicodélicas, tanto que é fã declarado de Arnaldo Batista, dos Mutantes, e ainda considera os Beach Boys maiores do que os Beatles. Preferências à parte, o certo é que o rapaz sempre teve jeito para a coisa e esse novo trabalho (Midnight Sun) mostrou uma consistência comparável a dos trabalhos mais loucos dos Flaming Lips, por exemplo. No Brasil, a coisa parece também se desenvolver bem. Por muito tempo o Júpiter Maçã foi o único representante da lisergia a ter algum destaque, mas de tempos para cá, fomos apresentados a nomes competentes e inspirados como o Super Cordas, o Bonifrate e um que tem crescido bastante e tem muito potencial para impressionar: os Boogarins.

Enfim, se você, como eu, anda bem cansado com o indie rock de meia tigela, esse sonzinho plástico de boate, comedido, domesticado, está na hora de se aventurar pelo lado escuro do hype. Mas cuidado: uma vez lá, pode não ter volta.

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